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sábado, outubro 24, 2015

Ainda de escritores centenários



Moema C. S. Olival, Aidenor Aires, Miguel Joge, Prof. Rogério Santana e Luiz de Aquino - AGL, 22/10/2015 


Ainda de escritores centenários


De repente, chegamos à última semana do décimo mês de 2015 e parece, sob a ótica política e econômica, que o carnaval ainda não chegou – se levarmos a sério a máxima de que o ano só começa após a quarta-feira de Cinzas. Mas o ano se acaba, sim, para o cidadão comum, o que vive de salários e que deve prestações, luta para quitar contas de água, luz, condomínio, impostos e comida – e não falei de segurança e saúde.

Desde o ano passado, venho me empenhando em homenagear – e nisso vai a intenção de preservar suas memórias – quatro grandes escritores goianos que viram a luz no ano 15 do século passado. Os nossos quatro centenários são José J. Veiga (2 de fevereiro), Eli Brasiliense (18 de abril), Bernardo Elis (15 de novembro) e Carmo Bernardes (2 de dezembro).

Bernardo Elis
Conclamei o governador Marconi Perillo a apoiar-nos nessa empreitada. Obviamente, a missão é, pela natureza e pelo seccionamento da máquina estatal, da competência da Cultura – mas os órgãos capazes não se animaram. A Academia Goiana de Letras fez a sua parte ao acatar minha propositura e na última quinta-feira, 22 de outubro, encerrou-se a programação, estendida desde o início do ano. A seu tempo, o poeta Aidenor Aires proferiu palestra sobre Eli Brasiliense, que o antecedeu na Cadeira; eu próprio falei de Carmo Bernardes, de quem sou sucessor na Academia; José Fernandes discorreu brilhantemente sobre a obra de José J. Veiga e, a convite da Academia, o professor Rogério Santana, da UFG, discorreu sobre Bernardo Elis, num estudo em que demonstrou pontos de encontro e paralelismo entre a obra bernardiana e a do autor de Tropas e Boiadas (o vila-boense Hugo de Carvalho Ramos).

José J. Veiga e eu, na Feira Hippie (Av. Goiás), em 1982
Concluída a fala do prof. Rogério, o coordenador da sessão, Miguel Jorge, abriu uma Mesa Redonda, convocando-me para falar sobre José J. Veiga e seu acervo, instalado no SESC de Goiás, por iniciativa minha e a gratificante acolhida pelo diretor-geral Giuglio Cysneiros, numa ação que envolveu a poetisa Sônia Maria Santos, seu marido José Evaristo dos Santos (presidente da Fecomércio). Discorri sobre minhas andanças, por oito anos, em busca de onde instalar o acervo do escritor de Os Cavalinhos de Platiplanto. O resultado, estou convicto, veio à altura do valor de José Veiga.

Eli Brasiliense
A Acadêmica Moema de Castro e Silva Olival mostrou, por sua vez, um belo estudo sobre a obra Uma Sombra no Fundo do Rio, de Eli Brasiliense Ribeiro. Ela enfatizou a plasticidade narradora do autor, pois a linguagem dá-nos uma visão cinematográfica da história. E Aidenor Aires encerrou o evento em excelente narração da personalidade de Carmo Bernardes. O autor de Jurubatuba tinha incrível facilidade narradora, vindo do ofício panfletário de cunho político na juventude, o que o conduziu ao jornalismo. Nessa profissão, Carmo publicou contos e crônicas até mesmo em caráter diário. Tão profícuo, acabou romancista com premiações locais, nacionais e até mesmo pela Casa de Las Americas, de Havana (Cuba). Sua obra é rica de vocabulário sertanista, roceiro; e atende ainda a estudos naturalistas e documentários de vivências várias, tanto no campo quanto na cidade.

Carmo Bernardes
O fecho, porém, enfatizado tanto pelo professor Rogério quanto pelo poeta Aidenor, deixa-nos angustiados – a Companhia das Letras, editora que se incumbe de republicar a obra de José J. Veiga, reedita-o com o propósito de assegurar a continuidade de sua divulgação. Mas Eli, Bernardo e Carmo carecem de tratamento similar.

Nesse fecho, em aparte, enfatizei o fato denunciado pelo próprio Aidenor Aires há mais de 30 anos – sempre tiramos edições de mil livros (alguns até muito menos), e muitos autores sofreram a tristeza do encalhe. O poeta, numa entrevista, denunciou: “Somos muitos os escritores e não lemos nossos companheiros; se o fizéssemos, nossas obras se esgotariam no lançamento”. E recordei que não somos lidos nem mesmo em família, pois muitos são os parentes que inserem nossos livros em estantes sem sequer os abrir.

E um confrade acrescentou, irônico: “Podiam ao menos pagar-nos o custo do livro”.


***



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

3 comentários:

Sueli Soares disse...

Quisera ser um drone (disfarçado de mosquitinho) e sobrevoar a sessão, observando atentamente o semblante dos seus membros, ao tecer os comentários que você narra. Que alma magnífica têm os que vivem da palavra pela palavra!👏👏👏

Anônimo disse...

Caro poeta Luis de Aquino,


sem rasgação de seda, que não temos talento para isto, cumprimento-o pelo trabalho que vem fazendo de promoção de nossos escritores centenários. Você, com sua facilidade narrativa, bom contador de causos, contribui para desmistificar a figura de José Veiga, tido como escritor hermético, portanto difícil. A aproximaão com sua pessoa, a iluminação de sua figura humana instrui e pavimenta a estrada do leitor para oconhecimento de sua obra. Parabéns. Fico honrado de participar deste momento. Sei que estamos chamando a atenção para pessoas que não foram líderes políticos, empresariais, nem religiosos. Dedicaram-se à tarefa voluntária e árdua de falar pelos outros. Carregaram uma procuração ínsita de retratar paisagens, seres humanos e bichos, dramas de opressão, vida e morte. Não se pode negar a eles a permanência como raízes e troncos de nossa construção literária. Goiás, e o Centro Oeste não se reconheceriam no futuro sem as faces que Eli, Veiga, Carmo e Bernardo pintaram. Além de recordarmos o centenário de seus nascimentos, não se faria melhor justiça do que apoiar edições nacionais de suas obras, a exemplo do que está ocorrendo com J. Veiga. Se o mercado não está disposto a investir no livro fisico, avassalado pela industria do best seller, é preciso avançar no espaço virtual. O e-book, aos poucos, vai-se impondo como opção fácil de leitura. Ainda que a correta utilização do meio se sujeite ao respeito pelos direitos atorais e ao suporte de empreendedores privados ou à ação de governos. De qualquer forma, neste mundo, neste momento unico de apogeu da comunicação, não podemos concordar com a submissão ao silêncio de vozes que são vozes de multidões, como ocorrem ser as poderosas vozes de nossos escritores centenários.

Abraços,

Aidenor Aires
Escritor

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Mara Narciso disse...

O encalhe é um fato escondido de forma pessoal, mas vivido por quase todos os autores.