Filhos de deus, só eles!
Ah, deus-meu!
A minúscula, na
linha acima, vem a propósito – é só uma expressão corriqueira e, ao usá-la
assim, em minúscula, evito “usar em vão o Santo Nome”. Claro, claro... Acredito
muito no Poder Supremo. E suponho ter aprendido a separar joio e trigo nas
doutrinas religiosas – e digo isso sem sair do campo do cristianismo. Dizem que
nós, cristãos, somos cerca de ¼ da população mundial, nem sei ao certo! Mas
mesmo nesta parcela que, sendo grande, ainda não é maioria, encontramos um
universo imensurável de erros conceituais, de prepotência e vaidade, de
megalomania e interpretações as mais estapafúrdias dos textos bíblicos.
Curioso notar
que cada segmento ou rótulo dentre os cristãos acredita ser o que sabe,
exatamente, o que quer dizer cada frase, cada versículo, capítulo e livro do
conjunto a que chamamos de Sagradas Escrituras ou, com maior intimidade, a
Bíblia.
Intriga-me o
quanto grande parte dentre todos nós se dedica mais fortemente ao Antigo
Testamento. Não sei, não sei... Ninguém conseguiu ainda me convencer, mas
entendo que o Antigo Testamento é a parte da Bíblia que interessa diretamente
aos judeus. E claro está que, culturalmente, descendemos deles, dos judeus.
Como também os islamitas. Só que estes trocaram os preceitos bíblicos pelo
Alcorão, enquanto nós, cristãos, mantemos os livros judeus e acrescentamos os
Evangelhos.
Fala-se muito
que os primeiros cristãos – e claro está que não todos, mas os que sabiam ler,
isto é, os sacerdotes mais ilustrados – selecionaram dentre 40 ou mais livros
somente quatro da biografia e dos ensinamentos do Cristo, classificando os
dispensados como “apócrifos”. Mas os historiadores vivem escarafunchando esses
tais livros apócrifos, tentando compreender melhor o que se passou, de fato,
nas terras de Israel ao tempo de Jesus.
É comum – ouço
isso desde meus tempos de menino, e olhe que isso foi há mais de meio século! –
dizerem que “religião não se discute”. Concordo, sim, e aceito. Não se discute
– aprende-se. Só que...
Bem, há 18 anos,
ou pouco mais, numa viagem de uma semana a Jerusalém, com a chance de conhecer
outras plagas de Israel, eu disse ao nosso guia – um judeu que já ultrapassara
a barreira dos 70 anos – que não me ocupava muito (na verdade, quase nada) com
o Antigo Testamento, pois para mim ficara claro, há muitos anos, que Jesus veio
para “reformar a lei” – logo, sendo cristão, bastar-me-ia o Novo Testamento. E
o sr. Yousef Arad concordou comigo.
Também a esse
propósito – e não o influi absolutamente em nada – o jovem Bráulio Calvoso
dizia-me que “grande parte dos evangélicos brasileiros agem como neojudeus,
pois só se escoram no Antigo Testamento”. Sim, mas foi ele próprio quem me
contou que isso se refere a uma parte, não é consenso geral. “Tenho amigos
pastores que insistem fortemente na doutrina cristã”, ressalvou ele.
Bráulio Calvoso
está na China, empenhou-se e se dedicou a estudar a cultura chinesa. Formado em
Letras pela UnB, ele já acumula expressiva temporada de vida no Japão. Depois,
expandiu seu interesse na Ásia e lá se foi ele rumo à China! Lembrei-me dele em
dias desta semana, quando conversava com um comerciante e este, indignado com a
política econômica e os escândalos políticos, vociferava conta Lula e o
governo: “Lula agora pegou pesado, foi mexer com os evangélicos”, disse-me o
micro empresário; “só que agora ele vai ver! Quem mandou mexer com o povo de
deus?” (de novo escrevi em minúscula para não participar da blasfêmia).
Limitei-me a
ouvir e emitir um discreto sorriso, absolutamente silencioso. Ao meu lado, uma
senhora cochichou-me: “Vê-se que é crente, mas daqueles que pensam que só eles
são o povo de Deus” (agora, sim, em maiúscula).
***
Luiz de Aquino é escritor e jornalista,
membro da Academia Goiana de Letras.
Um comentário:
É por isso que não tenho religião. Não quero estar certa e muito menos errada. Não quero convencer ninguém de nada. Religião discute-se sim, para acrescentar e não para reduzir. Aceito, respeito todas as religiões, mas não aceito que alguém queira ser dono de Deus ou venha me doutrinar. No dia a dia, para pasmo dos que ficam sabendo que sou agnóstica, que tenho minhas dúvidas sobre a existência divina, sigo religiosamente os preceitos cristãos de amor ao próximo. Faço o bem pelo bem em si e não visando algum prêmio nesta ou noutra vida. E por afirmar isso, não quero estar certa e nem preciso que alguém concorde comigo. Deve ser efeito dos 14 anos de psicanálise freudiana ortodoxa pela qual sou analisada. Bom texto para suscitar reflexão e discussão. Com respeito, pois amar a todos é preciso.
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