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terça-feira, março 23, 2021

Do tempo e da tarde




 
Do tempo e da tarde

 


O tempo passou pelos meus dedos
e nasceram palavras, sistematicamente criadas
no rigor dos tipos.
As palavras ficaram assim, enfeitadas
em negro na alva quadratura do papel 
-- mas as palavras não eram estas impressas
e eram palavras que forjei no vazio
miúdo e doído
entre vísceras que eu não sabia existirem.

Lá fora, gritam e correm pessoas
e são muitas pessoas
querendo buscar outros rumos e trocar pessoas
pois não há como acreditar e não se faz futuro
sem crença.

Essa gente não quer mais ser guiada:
lá fora, há mãos crispadas e punhos erguidos,
há gritos de ordem e os soldados também gritam
— mas os soldados gritam em silêncio,
não lhes é dado gritar com a boca aberta e a força dos pulmões.

 

Lá fora há discursos inflamados e pequenas intenções
inconfessáveis.

 

E enchemos de silêncio nossa tarde 
enquanto cremos mais nos nossos corpos assim
tão comungados. 


*  *  *

Poeta Luiz de Aquino




6 comentários:

Jacque disse...

Nesta poesia vc mostra a força de sua verve meu caro poeta... Minhas mãos comungam com seus versos!!! E sigamos em frente...

Adélia Freitas disse...

Gostei muito deste poema. Palavras silenciadas que dizem muito e gritam no recolhimento do saber poético. Lindo isto Obrigada! Obrigada.

Gugu disse...

O que nos é o tempo senão o arquivo das nossas lembranças? Passando ele nos leva e traz caminhos e descaminhos de uma jornada onde sonhos e quimeras caminham juntos.

Adriano Curado disse...

O poema é forte mas ao mesmo tempo sensível... e não seria diferente vindo de tanto talento.

Carmem Gomes disse...

O tempo passa como uma luz entre os dedos. Não há tempo para vivermos a nossa tarde

Sônia Elizabeth disse...

Tempo, eterno tempo. Boa poesia.