Páginas

quinta-feira, novembro 30, 2006

As saias, os nomes e a estátua de Pedro

.
Especial para o jornal Tribuna do Planalto


Viajar no tempo é algo de mágico. Fazemos uma viagem impossível, visitando o passado tal como o conservamos nos arquivos rotos da memória. E, nessa viagem, não nos é dado o percurso, de modo que não interferimos no trajeto: não jogamos lixo pela janela do carro; não molhamos nossos pés nos riachos; não descansamos à sombra de uma frondosa árvore. Viajar no tempo é apenas chegar. E ver o passado tal como o temos hoje, e nem sempre o temos como realmente ele era, mas como o lembramos.

Engraçado, isso. Mas todos nós visitamos nossos tempos anteriores, seja o ontem, seja o ano passado, seja a juventude ou, o que é sempre melhor, a infância. Gosto desse passeio. Gosto de me ver descalço, calças curtas, sem camisa, correndo pelas ruas de pó e cascalho da minha Caldas Novas pequenina e esquecida. Gosto de lembrar da escolinha, dos sinos da igreja, da sirena do cinema, da hora do recreio, dos quintais de muitas frutas, dos banhos de córrego, das férias... Ei! Por que mesmo precisávamos de férias?

Gosto de saber do que gostava: asa de frango, pequi, pamonha e de esperar dezembro. Antes: gostava também de setembro, por causa do meu aniversário. Mas dezembro era todo especial, porque todos, sem exceção, esperávamos o Natal. E Natal é aniversário de todo mundo. Por isso era bom. Não: era ótimo!

Agora, este dezembro de 2006 me parece meio que sem-cerimônia. Chega-me frio, sem a ansiedade gostosa dos dezembros antigos. E, parece, esse sentimento está se alastrando. Uma pena: podia ser só eu. As novidades ficam, todas elas, para janeiro. É que inventaram que os ditos Chefes de Executivo (governadores e presidente da República) tomam posse dia 1º de janeiro. Ainda que alguns tenham sido reeleitos, há a posse; e, após a posse, a nomeação dos secretários. Então, nós, a raia miúda, ficamos aí a esperar notícias, tentando saber quem será o secretário ou o ministro disso ou daquilo.

O governador Alcides Rodrigues promete, em Goiás, um secretariado com alta presença feminina. As saias ocuparão metade da equipe de governo. Mas as novidades que interessam mesmo não são apenas os nomes dos auxiliares diretos dos governos, mas, sim, suas ações. E cada cidadão atenta mais para o que mais lhe diz respeito. Sendo assim, preocupa-me, no meu Estado, o nome do (ou da) titular da Cultura. E, claro, suas ações.

Serão, então, quatro anos de muito trabalho, com o propósito de dar continuidade ao que se fez nos últimos oito anos. E, ainda, criar novos projetos. Antes mesmo que nos apareçam novos projetos, conto as minhas ansiedades: quero ver pronto todo o complexo do Centro Cultural Oscar Niemeyer, com o prédio das bibliotecas devidamente ocupado e atendendo; e quero, ainda, ver no cenário de Goiânia a estátua eqüestre do fundador, Pedro Ludovico Teixeira.

Atrevo-me, mesmo, a adivinhar que essa será uma das primeiras ações que o governador Alcides recomendará ao seu titular da Agência de Cultura Pedro Ludovico (se Pedro lhe cede o nome, merece da Agência de Cultura esse mimo: a instalação definitiva da estátua, que consumiu de modo triste os últimos anos de vida da escultora Neuza Morais).

Se isso se concretizar, o governador Alcides terá começado de modo altamente alvissareiro seu novo governo.

5 comentários:

Deolinda disse...

Poeta, belo texto! Já não creio mais que o cavalo de Pedro vá para a Praça, mas continuo a sonhar com o reconhecimento do trabalho de Neuza. Maravilhosa artista e uma teimosa das artes, como somos todos nós que labutamos nessa área.
Todavia, mais que saias na AGEPEL, mesmo por que saias tem de vários modelitos e tamanhos, esperamos que a saia ou o bermudão escolhido possua o dom do conhecimento na área cultural, tanto na lida direto com os fazedores e produtores de cultura, quanto conhecimento técnico.
De um lado, por que o diálogo é importante e de outro, por que o nosso patrimônio cultural carece de ser visto com mais cuidado e objetividade. Basta ver a quantas andam os processos de demolição do centro de Goiânia, e todos com o aval irrestrito da Prefeitura de Goiânia. Se a Prefeitura é cega e caolha, ao menos o Estado de Goiás através da AGEPEL não pode se dar ao luxo de ser. Portanto, saias ou bermudões, diálogo e tecnica, são duas palavras mágicas.
beijos

Anônimo disse...

Lindo! Você me proporcionou um bela viagem ao passado...

Norma Leitte disse...

Querido amigo, creio que todos nós depois de um certo tempo de vida,temos o habito de realizar essas viagens com esse tom de melancolia. Infelizmente o natal perde o encanto para nós adultos por fatores como você expôs, preocupaçoes com futuras administrações políticas e também a certeza de que o mundo não é um sonho e o natal não é aniversário de todos.
Mil beijos!

Anônimo disse...

Como sabes, Aquino, sou também uma apaixonada em preservar e resgatar a memória pessoal, histórica e cultural. Sua crônica, além de proporcionar uma bela viagem ao passadó é também um ponto de partida para o presente: o passado ajuda-nos a entender melhor o presente e idealizarmos o futuro. Como seria difícil imaginar a iluminada Paris sans le musée du Louvre... Alemanha sem o museu de Berlim... E como é difícil pensar que nós, brasileiros e brasileiras, que lutamos pela preservação do patrimônio cultural, já estamos tão habituados a lidar com a falta de interesse das autoridades, tantas condições que acabam privilegiando, na maioria das vezes, a cultura massificada. É claro que entendemos (?) o jogo de interesses que veicula por trás das cenas reais. Um xou "Bruno e Marrone" por exemplo, em Goiás, atrai mais público do que um projeto de preservação patrimonial. Então fica aí a sugestão de Aquino, em sua crônica "As saias, os nomes e a estátua de Pedro" e também a opinião de Deolinda e agora reafirmada por mim: o nosso patrimônio cultural carece de ser visto com mais cuidado e objetividade. Esperamos um bom trabalho de nosso representante estatal.

Luiz de Aquino disse...

Recebi de Lyzbheth Leite:

"Estava lendo sua última crônica e foi inevitável uma viagem ao passado....
Diferente do seu que ocorreu em Caldas Novas, de pé no chão, me recordei de que o meu, na cidade de São Paulo, de pés calçados, que só sentiam algo de prazer quando chovia muito e me pegava na rua........então íamos de sapatos mesmo para a enxurrada e era o momento de nos divertir um pouco......chegávamos a casa ensopados e não raro nos custava um sermão..........
Só nas férias, na fazenda de meu avô, é que podíamos sentir a terra sob nossos pés descalços.
Era uma delícia!
Mas voltando ao presente, tomara que o Centro Cultural seja acabado e que a biblioteca funcione de verdade.......afinal somos um país muito carente de livros.
E por falar em livros, no centro de São Paulo, temos a Biblioteca Municipal. Um edifício de uns quantos andares, cheios de livros preciosos, que estão se deteriorando por falta de cuidados especiais com os livros, com o prédios, falta de verba e sei lá mais o que. Um pecado, mas esse é o nosso retrato...........
Linda crônica!
Como sempre nos encanta!
Abraços
Lyzbheth".