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quinta-feira, novembro 02, 2006

Vivos na lembrança

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Restam menos de dois meses para o Ano-Novo e a gente mal se acostumou a escrever 2006. Lembro-me da época em que tudo era pago com cheques e a gente demorava algumas semanas errando a data. Havia sempre alguém mais atento ao lado, esperando o momento em que se ia completar a data para advertir: “Setenta e três. Três!”...

Já entendi, desde a mocidade (ou terá sido na adolescência? Ah, foi na adolescência) que o chamado “fim de ano” começa justamente no Dia de Finados. É um feriado triste, diferente... Não é como a Semana Santa, quando as pessoas vinham de uma quaresma de resguardos e tristezas, mas que se rejubilavam no Sábado de Aleluia (de repente, a Igreja Católica mandou mudar o nome: Sábado Santo; mas o povão não acatou a nova prática, bem como não absorveu a cassação do nome de Santo para São Jorge, entre alguns outros).

O começo do fim de ano é, realmente, um dia muito triste. Dia em que se revive a lembrança de algum (ou de alguns) entes queridos (engraçado, isso; quando dizemos “entes”, sempre agregamos a palavra “queridos” e só o dizemos para nos referir “aos que se foram”; parece que temos receio de dizer “amigos e parentes mortos”). Tenho pena dos que sofrem por tais perdas, porque a dor é renascida. E fico triste porque sei da existência de uma “indústria da dor”, mantida por religiosos que ainda acreditam que religião é dor. Estes, eu os comparo aos políticos que insistem na manutenção da miséria para manipular as massas humanas; afinal, é assim que se mantêm no poder. É a ideologia dos latifúndios, dos sucessores dos barões do Império, os que depois se tornaram coronéis, caudilhos, líderes populistas.

E a indústria do turismo macabro, hem? Aqui, neste pedestal de seis décadas, entristeço-me nas vésperas de finados; não porque me dói a dor da saudade, pois sei que a transposição para o outro plano é da Lei Divina, mas por ver veículos de informação incentivando, ainda que indiretamente, o restauro dos túmulos, o comércio das velas (para que isso, hem?), a concentração para a dor (muitas vezes, já esquecida). A única coisa saudável é o elevado comércio das flores: flores nunca são demais. Mas deviam estimular, sim, o plantio de plantas florais nos cemitérios, já que aqueles antigos, de natureza dominantemente católica, os dos túmulos solenes e cheios de esculturas sensacionais, estão fora de moda.

Penso também que, em lugar das dores “de casa”, a romaria e a reverência aos locais onde estão sepultados nossos (de novo) “entes queridos”, devemos nos lembrar dos grandes vultos das nossas histórias de vida, indo além das famílias e dos amigos. Devíamos aproveitar o Dia dos Mortos (ou Dia de Finados, para evitar a palavra “mortos”) para lembrar nossos artistas, nossos heróis, desportistas e benfeitores (um professor muito querido, um médico de grandes feitos no ofício da cura, um bombeiro ou policial que tenham se destacado por salvar vidas, etc.) e, com isso, fortalecer nossa cidadania.

Neste Dia de Finados, que ensejou mais um feriadão bem ao gosto brasileiro, devíamos, nós, goianienses, inaugurar a solene Estátua Eqüestre de Pedro Ludovico (cadê ela, hem? A autora, Neuza Morais, morreu de tristeza e já a esquecemos... Que memória ruim, esta nossa!). Devíamos reverenciar, num belíssimo sarau, nossos poetas Joaquim Machado, Tagore Biram, Cirinho, Iêda, Lígia Rassi e músicos como Josafá Nascimento, Anete, Geraldo Amaral, Joaquim Edson... Isso, num ambiente em que telas de Confaloni, Cléber Gouveia e tantos outros seriam expostas, também um modo de homenagem.

Ao cemitério, não vou. Para quê? Ver uma lápide, um túmulo? Não... meus “entes queridos” não estão por lá.

8 comentários:

Luiz de Aquino disse...

Recebi de Beatriz Pacheco (de Porto Alegre, RS):


Querido Luiz!
Mais uma vez vejo o motivo que me faz gostar tanto de ti! Pensamos muito parecido em muita coisa... Esta "romaria" aos cemitérios no dia de "finados", para prantearmos nossos "entes queridos", com data marcada, é de uma hipocrisia e de um comercialismo atrozes. Primeiro, pq aqueles a quem amei (e continuo amando), eu não pranteio e, sim, me regozijo em tê-los tido! Só os abençoados amaram e foram amados intensamente como eu o fui! Portanto, nada tenho a chorar e sim a contar os dias para o reencontro (no qual acredito com veemência.). Bem, quanto a ir a cemitérios?! Eu chamo aquilo de "culto ao buraco do lixo". Pois é a grande verdade! Meus "entes queridos" (meus amados amores...) não são, e nem estão naquilo ali... Portanto, tenho-os comigo sempre, no dia-a-dia, quer no coração, quer em meu próprio DNA! Não preciso de dia marcado para lembrar-me deles! Comungo, mais uma vez, das tuas idéias!
Um abração, cheio de carinho!
Bia

Luiz de Aquino disse...

Recebi de Heloísa Campos (de Goiânia, GO):



Luiiiiiz de Aquino, que boniteza de crônica! Beijão, Heloisa

Anônimo disse...

Sabe, Luiz, eu penso como vc, não funciono em termos de cultivar os "dias de", todos eles, com data marcada (incluindo Natal, aniversário, mãe, pais, namorados.)

Mas, há pessoas que precisam disso.De um ritual, o dia marcado para cada coisa. Minha mãe é assim. Hoje com 95 anos, ela ainda se lembra de todas as datas, faz questão da família se envolvendo nelas. E faz questão dos dias certos de ir ao cemitério (e sou eu q levo,mesmo sabendo que nossos "entes queridos" não estão lá).

Então, penso que há modos de viver, de acordo com o jeito de ser de cada um... E, na verdade, não há um certo e um errado nisso.

Bjo, carinho,
Márcia Píramo.

Luiz de Aquino disse...

Recebi, por e-mail, de Valéria Amaral (paulistana, residente em Goiânia):


Caro Luiz,



Ontem estive na Igreja (Rosa Mística), fazia anos que eu não participava de uma missa tão bonita no dia de finados.

Sua crônica me fez lembrar da minha infância, sou de família católica e todos os anos no dia 02 de novembro passávamos o dia no cemitério "cuidando" dos que já partiram...

Limpávamos as lápides, os vasos eram trocados, colocávamos novas flores etc etc.

Depois que cresci e pude impor um pouco da minha vontade me afastei desse programa familiar...

Por não me identificar com a Igreja católica eu fui viajar, ler, estudar e acabei me apaixonando pela filosofia espírita e desde então procurei não lamentar a partida de amigos e familiares...

Ontem pela primeira vez depois de muitos anos não chorei a partida da minha mãe.

Orei por todos aqueles que passaram em minha vida e me deixaram coisas lindas... Sai da Igreja debaixo de muita chuva e posso dizer que sai literalmente com a alma lavada!

Essa semana li uma frase bonitinha: As pessoas não morrem, elas apenas partem antes de nós...

Poeta, você é uma pessoa incrível! Um dia (quem sabe) quero escrever como você...

Um beijo,

Valéria.

Anônimo disse...

Oi Luiz,
Desculpa o jeito, sou arquiteta, não sou escritora, mas adoro analisar e procurar entender a alma humana, gosto também de tudo que é científico. Recentemente recebi uma mensagem que parece explicar porque os dias estão passando mais rápido. Parece ser uma questão da frequência da terra, que acelerou-se porque o homem não a tem respeitado. Encontrando a mensagem te mando pro e-mail, aliás, qual é o seu e-mail? No que se refere à morte eu acho incrível como as pessoas desviam este assunto quando ele começa. Acho muito natural falar sobre isto porque ela faz parte da nossa vida. Não que a gente deva enfatizar isto todos os dias, pois penso que devemos valorizar a vida. Nesta sociedade que dá tanto valor ao ter, ao material, ao físico, esquecemos às vezes que o que importa é o que temos por dentro, pois o resto vai ficar sim a sete palmos abaixo. Gostaria de continuar, mas pode ficar enfadonho, então encerro aqui.
Beijosssssssssssssssssssss!
Neusa

Anônimo disse...

Parabéns Luiz,
concordo planamente com o que você disse sobre o dia de "finados e outras datas, que hoje, são somente
comércios.

Luiz, me permita postar esse poema, achei belo e diz mais ou
menos o que disse em sua crônica.


e ele disse:
Vai, e chora teus mortos.

e eu respondi:
Não, eu não tenho mortos.

e ele disse:
Todos nós temos mortos.

e eu respondi:
Os que de mim partiram,
ainda vivem
dentro de mim.

e ele disse:
Sente a dor da saudade.

e eu disse:
Não sinto saudade
do que não perdi.

e ele disse:
Vai e leva flores.

e eu respondi:
Minhas flores já estão
onde eles se encontram.

e ele disse:
Onde estão suas lágrimas?

e eu respondi:
Eles merecem sómente sorrisos.

e ele, se foi.

(Ariane)

Beijo,
Lêida Gomes

Anônimo disse...

Sabe, lendo suas escritas, deparei-me com um dilema. Não há dor na ausência? Não existe então dor em alguma saudade, de alguém que partiu sem aviso, sem nos preparar para sozinhos nos achar? Há saudade na ausência. Há dor na ausênca sim e, maior a dor quanto maior o amor. O ritual no culto aos que se foram é masoquismo, mas há dor sim, meu querido. Só não há dor para quem não amou. Belas escritas, pena que faltou amor. Estou sendo sincera. Abraços, Simone Wagner Cornelius.

Luiz de Aquino disse...

Simone,

Obrigado por comentar.
Sim, entendo que há dor na ausência, e não disse o contrário. Apenas entendo - e nisso não censuro nem critico quem pense de modo diferente - que meus queridos ausentes não estão nos túmulos onde os colocamos.
Mas suas ausências continuam doendo em mim.