


1937 – 2007
(Discurso proferido por mim na Sessão Solene da Academia Goiana de Letras, realizada no próprio colégio, em homenagem aos 70 anos do Liceu em Goiânia. Luiz de Aquino)
Eu vim aqui para falar de amor. E amor começa na auto-estima; o segundo passo é o amor aos que nos cercam e contribuem para o nosso bem-estar, oferecendo-nos ensinamentos e alegrias, obstáculos e, com estes, as chances de vitórias.
Assim, venho falar de amor. De amor e de tempo.
Este era um país de homens rudes, afeitos às lides do campo, fosse a criação de gado para o leite e a carne, fossem as lavouras de alimento e vestuário. As letras e as ciências eram ocupações da nata citadina. Surgia, naqueles anos da Regência, a preocupação dos governos, tanto na Corte quanto nas províncias, de se dotar o país de escolas. Ou de Liceus, como era a moda na Europa que nos servia de exemplo.
Em 1837 o Ministro do Império Bernardo Pereira de Vasconcelos apresentou ao Regente Pedro de Araújo Lima uma proposta para a organização do primeiro colégio secundário oficial do Brasil. Pereira de Vasconcelos acreditava que a instrução pública seria melhor do que a particular, que se mostrava inadequada, por ser oferecida em salas precárias e por professores mal preparados. Assim, no dia 2 de dezembro daquele mesmo ano, era instalado o Colégio de Pedro II (era esse seu nome original).
O colégio concebido por Bernardo Pereira de Vasconcelos sobrevive, festejando, daqui a dez dias, 170 anos de existência, tendo sucedido ao Seminário de São Joaquim, criado por Frei Guadalupe em 1739.
A Província de Goiás, nove anos depois, criaria o seu Liceu de Goiás, por iniciativa do presidente Joaquim Inácio de Ramalho.
Recorro à monografia Lyceu de Goiás, da Fundação ao Tempo Presente, da professora Kátia Rodrigues de Morais e ao livro História da Instrução Pública em Goiás, do professor Genesco Ferreira Bretas, que, em anos da década de 1960, dirigiu este educandário. Não nos surpreende saber que criar o Liceu foi um atrevimento e mantê-lo, um desafio que se estendeu por muitas décadas. Não havia um imóvel onde se instalar a escola; nem dinheiro para a construção. Por isso, o Liceu funcionou, nos primeiros, em uma sala e uma varanda da Inspetoria da Fazenda.
Mais de uma vez, falou-se em encerrar as atividades do Liceu. Mas ele se tornou, na capital goiana, naquele Século XIX, um referencial indispensável à vida da cidade: tudo o que se passava na cidade, refletia no Liceu. E vice-versa. Os bons alunos eram citados e respeitados em sociedade; os maus alunos, ignorados, numa sanção social que, certamente, influiria nos resultados dos estudantes em exames e mesmo em sua vida profissional, ao seu tempo.
A República exigiu que o Colégio de Pedro II não ostentasse o nome do imperador deposto; assim, e por cerca de duas décadas, o colégio da então Rua Larga, no Rio de Janeiro (hoje, Avenida Marechal Floriano) chamou-se Ginásio Nacional. Desde sua fundação, o Colégio Pedro II (nome atual) era referência de ensino, isto é, era o Colégio Padrão de Ensino para todo o país. E em 1904 o Liceu de Goiás começou um processo de equiparação ao Ginásio Nacional.
Com a mudança da capital, o Liceu ficaria na Cidade de Goiás. Pelo menos, fora essa a promessa de Pedro Ludovico Teixeira, interventor federal e fundador de Goiânia, aos vilaboenses. Mas, na prática, a permanência ficou inviável: os estudantes, em sua grande maioria, eram filhos de funcionários estaduais, transferidos para a nova cidade. O colégio precisava, pois, ser também transferido. Vale dizer que, ao criar Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek não teve necessidade de medidas assim radicais. As escolas, e até mesmo uma universidade, eram novos estabelecimento, permanecendo no Rio, antiga capital, não só o Colégio Pedro II como, também, a Universidade do Brasil (hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro). Mas o Estado não teria condições financeiras, nem recursos humanos à altura, para manter dois colégios, um na Cidade de Goiás, outro em Goiânia.
E este solene sobrado da Rua 21, tombado pelo Patrimônio Histórico, é o que festejamos hoje. Inaugurado no dia 27 de novembro de 1937, sob a direção do professor Iron Rocha Lima, ele abrigou, também, o Grupo Escolar Modelo, do qual o artista José Amaury Menezes foi aluno neste prédio.
O velho Liceu, que na cidade de Goiás foi escola para Pedro Ludovico e seu filho Mauro Borges Teixeira, servira também de formador de centenas de outros goianos ilustres nas mais variadas profissões. Por ele, na antiga capital, passaram escritores do quilate de Bernardo Élis e de José J. Veiga, além de juristas, médicos, arquitetos e engenheiros, artistas de pincel e partitura.
Em Goiânia, o Liceu não só continuaria sua vida de glórias, mas seria consolidado como um dos mais importantes estabelecimentos na história da educação pública do País. E enquanto nos formava para as letras e as ciências, éramos também forjados na luta de consciência social. Pelo Grêmio Félix de Bulhões, agimos em greves, passeatas e outras manifestações de nítido comprometimento com a nossa comunidade. Herdamos deste colégio a fibra da resistência e da lucidez como cidadãos de verdade.
Lamento que Goiás, sua gente e seus governos, não atentem para essa importância. Se o fizessem, o Liceu seria um referencial majestático do ensino brasileiro. Educadores da mais fina afinidade com o futuro, que simbolizo na figura do meu conterrâneo de Caldas Novas e meu diretor, quando aluno, o Professor Genesco Bretas, sabem disso. E bem o sabe a Professora Teresinha Vieira, que sucedeu o Professor Bretas e a quem me reportava quando professor de Geografia e de Educação Moral e Cívica, nos anos duros em que a democracia tinha sobrenomes. Era o tempo da “democracia relativa”, no dizer de um dos generais presidentes.
Ainda é tempo!
Senhora Secretária da Educação, Professora Milca Severino!
Senhor Governador de Goiás, Doutor Alcides Rodrigues!
Resgatemos a História do Liceu de Goiás. Esta unidade de ensino não é diferente daquela que Pedro Ludovico trouxe de Vila Boa. Este é o Liceu fundado pelo Barão de Ramalho em 1846, o 12º dentre os liceus criados no Brasil naquele tempo das Regências do Império. O bom senso devolveu o Liceu à Cidade de Goiás; mas um descuido fez com que as duas unidades ficassem distanciadas.
Hoje, com o fechamento de todos os demais liceus e colégios criados antes de 1846, à exceção do Colégio Pedro II, somos o segundo mais antigo dentre todos os educandários do Brasil.
Em mim, ex-aluno e ex-professor do Liceu de Goiânia, mora uma alegria múltipla: fui aluno dos dois mais antigos colégios brasileiros. Talvez seja eu o único brasileiro a desfrutar deste privilégio, o de ter concluído o curso ginasial no Pedro II e o Clássico no Liceu.
Eu proponho, Senhor Governador e Senhora Secretária, Senhores Deputados, que se restaure a história, editando-se uma Lei, pela Assembléia Legislativa, definindo que o Liceu de Goiás, fundado por Joaquim Inácio de Ramalho, pela Lei nº 9, de 20 de junho de 1846, constitui-se de duas unidades – Unidade Vila Boa, na Cidade de Goiás; e unidade Goiânia, na capital do Estado.
Esta é a nossa casa. A casa de dois presidentes do Banco Central do Brasil: Gustavo Loyola e Henrique Meireles. A casa de vários parlamentares de todos os níveis, de prefeitos e governadores. A casa de um sem-números de professores, profissionais liberais da saúde, das comunicações, das construções e do direito. A casa de Íris Rezende Machado, de Irapuan Costa Júnior, de Alcides Rodrigues, de Pedro Wilson, de Wander Arantes, de Iran Saraiva e de poetas Afonso Félix de Sousa, Gilberto Mendonça Teles, Martha Azevedo Panunzio, Emílio Vieira, Ciro Palmerston... Perdoem-me aqueles que omito: não tenho todos os nomes, mas não me furto ao risco da injustiça para com tantos; apenas os simbolizo nestes homens públicos que, na mocidade, usufruíram de convivência feliz neste pátio.
Enfatizo ainda, senhores professores, estudantes, colegas da Academia Goiana de Letras, autoridades e amigos convidados, que se restaure também a dignidade deste Colégio, fortalecendo-o pelas medidas que norteiam a boa educação. O Liceu já viveu muitos momentos de crise, mas sempre sobreviveu. Sua águia, às vezes, é uma fênix. E a nós, que absorvemos deste Liceu centenário os ensinamentos científicos, artísticos, culturais e morais, havemos de fortalecê-la para resistir às chamas.
Por isso, eu vim aqui para falar de amor. É que falar de amor é uma das poucas coisas que faço bem. Sou muito amor. Sou amor ao próximo e a todos os que contribuíram para que eu, hoje, fosse feliz. E o Liceu me ensinou boa parte deste caminho.
E, para concluir, desfaço o laço da gravata e tiro o paletó. Neste momento, volto a ser o aluno do Clássico daqueles anos 60.