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sábado, novembro 22, 2008

A escrita, a ética e o regozijo

A escrita, a ética e o regozijo



O adolescente médio brasileiro comunica-se com um vocabulário de cento e vinte palavras. Sim: cen-to-e-vin-te. Apenas. Não mais que isso. Mas, dizendo assim, parece que apenas o jovem é limitado. Isso é injustiça, das grossas. Conheço gente fina com diploma de universidade e alcunha de doutor que não entende a diferença entre “mais” e “mas”. E “pescosso”, “frauda”, “oço” e “recurço” em lugar de pescoço, fralda, osso e recurso aparecem em textos de próprio punho de alguns profissionais de roupa branca, desses que incorporam o título, religiosamente.


Ah, que saudade! Na faculdade, no meu tempo, era comum um aluno corrigir o colega que pronunciasse ou escrevesse erroneamente. Como era comum, também, formarem-se grupos de estudos em que ao menos um dos membros tivesse bom domínio da Língua Portuguesa e um outro fosse bamba na disciplina específica; assim, todos aprendíamos naquele intercâmbio de conhecimentos (ou de sede de saber). Mas eram outros tempos... Tempos caretas, dirão os moços estudantes de cento e vinte vocábulos.


Tenho visto professores desprovidos de conhecimentos mínimos das matérias que ensinam; então, pergunta-se: ensinam o quê? Cartazes possíveis de serem lidos por aí: “Todos clientes têm estacionamento grátis” (devia ser “Todos os clientes...”); “Descontos à partir de...” ou “Tudo apartir de 1,99” – não se sabe a razão pela qual não escrevem “a partir”. E aí, por manterem dúvidas sobre o português, muitos comerciantes preferem “10% off” a “Descontos de 10%”, ou, em vez de “Liquidação” ou “Queima”, oferecem “Sale”. Como se vê, é muito mais fácil para nós, brasileiros, aprender e entender inglês do que o “brasileirês”. E eu, que tenho um indispensável bloqueio à grafia de palavras estrangeiras, prefiro escrever “De náite is a xiudrem”, que dizem-me conter um erro de concordância, porque o singular seria “xiude”, e não “xiudrem”.



E o que quer dizer mesmo “estacionar dentro das imediações”? Pelo que li (é uma notícia de jornal), a intenção era dizer “no pátio”, mas o autor do texto não sabe o que quer dizer “imediações” – apenas achou bonita a palavra.




Erros de linguagem à parte, triste mesmo é o erro de conduta. Num seminário de saúde acontecido em Goiânia, na semana que se encerra, secretária da Saúde de Minas Gerais, Helidea (coitada! Mais uma vítima da criatividade dos pais em confronto com o bom-gosto) disse, como quem defende as pretensões de seu chefe, que “quem governa Minas pode governar o Brasil”. Que idéia, dona Helidea! Qualquer Estado brasileiro tem condições de oferecer bons (ou maus) presidentes à República. De minha parte, e pelo que nos demonstra a História, evito os gaúchos. É que Getúlio Vargas apaixonou-se tanto pelo poder que lá ficou por quinze anos ininterruptos e ainda voltou para outros quatro. E de 1964 a 1985, tivemos aquele revezamento de generais, dos quais um era cearense, mas estudou no Rio Grande do Sul, e outro, carioca, apenas nasceu no Rio de Janeiro – sempre foi ligado ao lindo e valoroso Estado dos pampas e das serras.


Mas, gafes e ratas à parte, regozijo-me com meus confrades da Academia Goiana de Letras, na pessoa do presidente Luiz Augusto Sampaio, pela Sessão Magna da Saudade em memória de José Luiz Bittencourt. E rendo graças e loas a Antônio Almeida, o nosso Antônio da Kelps, por acatar minha humilde sugestão e ter produzido um livro com cento e quatorze páginas com os artigos e crônicas escritos em homenagem ao grande homem que foi Bittencourt. Mais de duzentos exemplares postos à disposição dos presentes não foram o bastante. Coube-me selecionar os textos e apresentá-los para a impressão; portanto, o único erro fui eu a faze-lo, e tenho de ser crítico de mim: alguns dos artigos saíram num só bloco, como que sem parágrafos, em virtude da transposição de “software” (ou sófiti-uér), em que a separação de parágrafos não se cumpriu. Mas o efeito foi dos melhores. Se me for dada outra oportunidade, cuidarei de me corrigir, porque sou um eterno estudante. Só que nos moldes do meu tempo, ou seja, sempre com vontade de aprender algo mais.


Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Luiz de Aquino:
Quem me dera poder estar, como você, pensando no bom português! Cá está caindo tal dilúvio que a gente fica feliz de estar salvando o pêlo! Aqui na frente do meu apartamento havia um morro com uma floresta - foi tudo água abaixo, com direito a árvores penduradas nos fios de luz, esmagamento de uma casa de um médico - já há crianças mortas pela cidade -~e a cada vez que o telefone toca é uma notícia pior!
Abração aí!
Urda.

Mara Narciso disse...

Desse mesmo bem eu sofro: querer aprender mais. Mesmo com a ampla quilometragem de leitura que tenho, pois passei a minha vida de 53 anos detras de um livro dos mais diversos temas, cometo erros tolos. Veja bem, escrevo esplendor e "explêndido", não tem, jeito. O "a partir", pelo tempo longo escrevendo com crase, custo a consertar. Mas o curso de jornalismo está me segurando a pena e me ajudando muito. Um dia eu consigo melhorar.

Quando aos jovens de palavras escassas, tenho esperança de que progridam. Com todos os vícios, a internet ajudará esses jovens a ampliar o universo das letras. Aqui, quando eles não estão lendo, estão escrevendo, e isso não é de todo mau.

Também em favor dos jovens, devo dizer, que em relação ao nosso tempo, o mundo cresceu demais. Então é compreensivel que todos tenham dificuldade de compreender essa tecnologia toda.

Salve Luiz, pela oportunidade de ler tão oportuno tema.

Abraço, Mara