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domingo, dezembro 13, 2009

Poesia, dinheirama e truculência

Poesia, dinheirama e truculência


Luiz de Aquino


Enfim, o fim do campeonato brasileiro, o mais indeciso de todos os tempos, imagino eu. Até o último minuto de cada jogo, à exceção de Goiás x Vitória que cumpriam tabela, ficou aquela expectativa de mudanças radicais, coisa provável a cada novo gol. Mas, para alegria da maior torcida do mundo, deu Flamengo. E a vida se refez em rubronegro. Em Curitiba, a pancadaria programada pela torcida “inferno verde” aconteceu. E os bandidos quebraram tudo, desafiaram e atacaram a polícia (o contingente era muito pequeno para a horda desenfreada).

Em Brasília, o panetone do Arruda faz o maior sucesso! Com fidelidade à denominação de seu partido, democraticamente a turma do governador viabilizou o tráfico de cédulas de real, em imensa quantidade. Tinha dinheiro em cuecas, paletós, calças, meias e, dizem, até mesmo em carteiras de bolso, dessas que o pacato cidadão comum usa para abrigar suas parcas notas para o consumo indispensável.

Em Goiânia, os muros do Goiás Esporte Clube ostentam poemas de poetas locais. Fiquei feliz com o pedido de Leda Selma, poeta e cronista de elevada qualidade e assessora da diretoria do “Verdão”: Quero um poema seu para o nosso muro”. E, como eu, vários poetas encaminharam seus versos: Maria Helena Chein, Edival Lourenço etc, e tal.

Mas o dinheiroduto do Arruda, no Distrito Federal, enervou os estudantes e alguns sindicalistas. E estes foram às ruas, ocuparam a assembléia distrital, foram retirados de lá por decisão judicial mas, com muita saudade dos tempos em que podiam tudo, alguns coronéis mobilizaram a turba fardada, quero dizer, a tropa, e reinstituiu a repressão com coices, porradas, tiros e espancamento em público. Quer dizer, a PM de Brasília não é covarde, não se oculta nos porões para torturar, mas o faz a céu aberto.

Aqui em Goiânia, um médico muito moço, acometido de algum grave incômodo (passageiro, disseram alguns) partiu com quatro patas contra minha mulher, que pedia socorro no posto de enfermagem ao lado do apartamento onde a mãe dela estava internada. O moço parecia militante da torcida organizada do Coritiba. E a gente para e pensa... Se cursou medicina, deve ser de “boa” família; o tempo de escolaridade devia ter lhe amaciado os pelos; médicos têm formação sólida e bem calculada... Então, uma médica da mesma equipe (o logotipo no jaleco é o mesmo), educadíssima, supre a carência dos familiares quanto a atendimento e informações esclarecedoras. E responde-me sobre o colega: “Não é do feitio dele”... E alguém mais diz que o moço “deve estar com algum problema”. Tudo bem: os familiares de Dona Haydée, também.

Volto às notícias e aos medos. E, feito aquela atriz que temia pela economia brasileira há oito anos, estou com medo. Sim, eu mesmo, Luiz de Aquino Alves Neto tenho medo. Não pela economia, que o Brasil vai tão bem que ainda existem esses fatídicos mensalões. Receio, sim, pelo retorno do arbítrio de coronéis policiais saudosistas. E pensar que o governador Arruda, mesmo apanhado com a boca na botija, ainda tem o poder de mandar a PM truculenta contra o povo!...

Bem, eu não invadi a Câmara Legislativa do DF, mas faço também o meu protesto: mais poesia nos muros! Mais taças de campeões em todas as modalidades! Mais médicos bem-formados e educados! Menos ladrões! Menos falcatruas! Nada de soldados e cavalos contra os que exigem honestidade!



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. Escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

12 comentários:

Anônimo disse...

A crônica de hoje nos é oferecida como uma ilha de poesia dentro do mar de lama da corrupção e do medo. Ainda bem que temos refúgio na poesia e assim podemos colorir o filme, em preto e branco, do passado político brasileiro que insiste em não morrer.
Parabéns pela crônica, Poeta.

ADRIANO CURADO
czarcurado@yahoo.com.br

Mara Narciso disse...

Para ficar ainda melhor, imaginei começar a crônica com a frase " no campeonato brasileiro deste ano, essa foi a decisão mais indecisa de todos os tempos"... risos... Sobre o José Roberto Arruda, quando vi a truculência de sua polícia, imaginei exatamente o que você escreveu. Mesmo sem moral alguma, a obediente polícia de Arruda o defende com balas, pimenta e espancamento. Dá vontade de fazer uma revolução para obrigá-lo a desapear do poder: ladrão inominável.
A violência da torcida em Curitiba mostra como a animalidade humana precisa de pouco para explodir. O mesmo podemos dizer do médico de Goiânia. Em todas as circunstâncias citadas de brutalidade, a de menos cabimento é a ocorrida no hospital. Há lugar para educação em todos os lugares, até no descenso de um time num campeonato, nas manifestações de rua contra ladrões, e na emergência de um hospital. Poesia neles!

Wanda disse...

Luiz,
Quanta violência em todos os lugares! Até nos hospitais, quando estamos fragilizados com a doença de entes queridos e necessitando apoio emocional... Muito triste mesmo.
Quanto às sacanagens de Brasília você disse tudo. Além de roubar do povo vamos espancá-lo. Esse é o Arruda.
E futebol teria que ser somente alegria, não é? Mas o mal infiltra-se onde não é chamado e estraga a festa.
Mas, na semana que passou, até pessoas que são (ou a gente achava que eram) chegadas nos trataram com violência! O que esperar então de quem nem conhecemos?
Pois é...
Beijos!

Wanda disse...

Ah...
Adorei seu poema no muro do Goiás. Ficou muito bacana.
E a foto também.
Beijo.

Wanda

Mariana Galizi disse...

Meu amigo, quando vi o noticiário que mostrou, lamentavelmente, a violenta escancarada repressão em nossa capital, me lembrei logo dos coronéis, aqueles típicos dos livros que hoje devoro, do poderio militar que nosso povo tristemente vivenciou. As formas de se calar o que se tenta reinvidicar são brutais, desumanas; num país de tantos iguais quem é diferente parece ser louco e passível de sofrer represálias, triste, século XXI de evoluções tecnológicas e regressões ideológicas.
Quase pego um avião e vou-me para aí, brigar junto, quero um país realmente livre, para minha filha, para os meus netos, para todos os filhos e netos, afinal.

Mariana Galizi disse...

Ah sim, vejamos a beleza dos que tentam em muros lançar palavras belas, sonorizar a vida, pois, antes de tudo somos eternamente humanistas. E vivamos as festas que nos são possíveis.
Te admiro, meu amigo, e muito.

Anônimo disse...

Vivemos em um mundo onde as pessoas não valorizam mais as relações afetivas, onde a humanização não tem mais o seu lugar e a história de vida, que constitui a subjetividade de cada de nós, não é levada em conta. As pessoas deixaram de perceber as coisas mais simples da vida e de dar importância ao que realmente é essencial. “Em vão me tento explicar, os muros são surdos. / Sob a pele das palavras há cifras e códigos. / O sol consola os doentes e não os renova. / As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.” Mas, continuando com Drummond, “uma flor nasceu na rua!” E esta flor, caro poeta, são suas palavras, idéias e sonhos em ação, que furam “o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.
Assim, acredito que estamos juntos nesta luta por melhores dias de vida em que as pessoas possam ser vistas de forma mais humana e digna. Precisamos devolver ao mundo tudo aquilo que tivermos possibilidade de assimilar. É necessário romper o muro de egoísmo que muitas vezes nos afasta do outro. Daí a importância de uma educação social transformadora que tenha a poesia como sua aliada, pois a revolução interna do ser humano não pode ser realizada de forma áspera, mas sim com a beleza, a leveza, o movimento, a arte, o amor... Enfim, com a vida presente em nossas ações cotidianas.
Você, como ninguém, sabe que é essa aliança com a poesia que venho buscando no meu trabalho e na minha vida.
Parabéns por manter sempre abertos seus olhos e coração de poeta para todas as coisas do mundo, que podem ser graves, adversas, injustas ou simplesmente belas...
Precisamos muito de atitudes inspiradoras como a sua...

Luiz de Aquino disse...

Obrigado, Adriano. Obrigado, Mara. Obrigado Wanda e Mariana...

Ah. alguém me envia uma bela análise não do poema, apenas, mas da ação do poeta, mas esquece-se de assinar... Por favor, assine.

Abraços para todos vocês!

Sinésio Dioliveira disse...

Mestre Aquino, hoje, apesar das unhas aparadas, os cabelos bem cuidados e não estarmos mais morando em cavernas e até fazermos curso superior, ainda temos em nós um resquício considerável de selvageria. Seu poema no muro do campo é um grito de amor que apenas entra no ouvido das pessoas que têm dentro de si a beleza expressa no poema.

Maria Luiza disse...

Desculpe, esqueci de assinar.Maria Luiza.

Luiz de Aquino disse...

ESCLARECENDO!
A pessoa que se esqueceu de assinar acaba de se revelar, é a minha querida amiga Maria Luiza Carvalho, psicóloga e poetisa.
Obrigado, Malu!

E obrigado também a você, poeta Sinésio!
Abraços para vocês dois.

Luiz

Unknown disse...

Poeta, ainda bem que em meio a tanta podridão podemos andar pela cidade e nos deparar com um belo poema gravado em um muro, que antes era só uma proteção, um limite de propriedade, mas que com essa bela iniciativa também se tornou poético e agradável de se ver.
Parabéns mais uma vez, és um grande mestre que a cada dia se supera!

Abraços!!

Simone