Páginas

sábado, novembro 12, 2011


Aos mestres

Oração aos mestres...
Discurso meu em homenagem aos professores, na
solenidade de entrega do “
Prêmio Mais Admirados
da Educação em Goiás 2011
”, em 8 de novembro
de 2011, por iniciativa da Contato Comunicação. 


Neste mundo pós Herbert Marshall McLuhan, unificado pelo entendimento quase que universal da pobre língua inglesa, tempo de mercado globalizado e de uma intrigante facilidade de intercâmbio cultural, mundo em que o tráfico das moedas substitui sem constrangimento os valores que as sociedades priorizavam meio século atrás, que motivos sustentam o ideal dos jovens para a corrida de revezamento do ensino e do aprendizado pelo envolvimento pessoal?

Nós, os do após-guerra, os das turbulentas décadas de 1950 e 1960, vivemos infâncias sob a pressão da educação antiquada, a que exigia respeito aos pais e avós, aos tios e aos irmãos mais velhos e, indiscutivelmente, respeito aos professores. Soubemos exercer aquele respeito sem que a submissão aos mandos nos humilhassem. E soubemos respeitar os professores sem prejuízo do aprendizado. Talvez por isso, muitos de nós sonhamos, sim, com o nobre ofício do ensino em salas de aulas e, por extensão, em campos e laboratórios.

Eu escolhi o ensino. Mas vivíamos uma ditadura, e uma professora enciumada do meu sucesso com os alunos, cuidou de unir-se a um pretenso professor dedo-duro, valendo-se do clima do arbítrio para induzir-me, pela pressão política e econômica, ao tão difundido desvio de função. Por não poder ensinar como professor, migrei-me para a prática das letras de literatura e de jornais.

O ímpeto do ensino, porém, é como vírus resistente. Jamais me afastei das escolas e dos estudantes. Nunca me constrangeu o vocativo professor, mas rejeito com veemência e indisfarçável mal-estar o tratamento de doutor, expressão por demais vulgarizada em todos os meios, a ponto de os doutores verdadeiros preferirem o tradicional tratamento dado aos que ensinam. E os verbetes professor e mestre resumem-se como dos mais dignos e excelsos tratamentos.

Os que detêm o poder de estipular salários, infelizmente, de tudo fazem para aviltar o tratamento – e agora não me reporto ao vocativo, mas aos contracheques dos finais dos meses. No distante 1968, o ano em que iniciei o que sonhava ser a minha carreira principal, descobri que alguns profissionais tinham remuneração diária igual àquela que nos era dada ao mês. Hoje, aqueles das grandes pagas ganham ainda muito mais que os valores corrigidos de quarenta e poucos anos passados, mas os professores continuam restringidos ao piso de dois salários mínimos ao mês.

Aquela senhora professora que aliou-se ao dedo-duro travestido de ensinante no comecinho da década de 1970 fez-me um favor enorme. Por sua atitude, tornei-me jornalista e escritor de livros, pois a poesia já vivia em mim. Não fiz fortuna – professores e jornalistas não existem para fazer fortuna; nem os poetas. Somos feitos para fazer pessoas, seja na transmissão do conhecimento, seja na demonstração dos nossos exemplos, seja na arte do verso e na arquitetura dos sonhos que geram contos e romances, seja no tratamento das notícias de modo a permitir a construção da opinião pública.

Não existimos para constituir patrimônio material; nossa meta é o homem de bem, o cidadão respeitável, a consolidação dos itens da cultura do povo a quem servimos. Quando gritamos por melhores salários e mais condição de trabalho, queremos ensinar com a certeza de que há comida na geladeira, há sapatos e roupas para os nossos filhos e que desejamos ainda respeito e paz para que possamos continuar fortalecendo a cidadania e construindo homens de bem, ainda que filhos dos que, por vezes, posam de nossos algozes.

Como se vê, há inúmeras afinidades entre o repórter e o professor. E a poesia, ponte sólida entre os meus ofícios da sobrevivência, é a cor do arco-íris, é a temperatura do lago e a música da cachoeira, a nota forte no contra-baixo das ondas a quebrar na praia.

Nenhum dos que se tornam cidadãos evoluiu sem o concurso dos mestres, em alguns momentos citados como regentes de classes. Por analogia, e tentando aprimorar, digo-lhes eu que são maestros de almas. E a esta altura da vida, feliz por ter vivido tanto e com tantas provações e vitórias, agradeço a Deus por me fazer gente, pelas oportunidades das boas escolas e dos bons mestres, dos alunos que me sorriem após quarenta e tantos anos do nosso convívio. Agradeço a Deus pela poesia, pelas informações colhidas e divulgadas, por todos os passos e etapas percorridos até os diplomas, os empregos, os salários, as pagas de vários nomes, os versos concebidos e os livros publicados.

Mas principalmente agradeço a Deus pelos professores que encontrei pelo caminho e que fizeram por mim o que vocês, mestres de agora, fazem pelos meninos e moços deste tempo.

Sei que Ele lhes dá sempre Suas bênçãos.

***
Entreguei um troféu de "Mais admirado" à profa.
Terezilda,  diretora do meu Lyceu de Goiânia.
ao Lyceu

5 comentários:

Francisco Taveira disse...

Sobre o seu Discurso aos Mestres, crônica do próximo domingo, concordo plenamente com suas homenagens justas e até me sinto lisonjeado, pois também, por 11 anos, laborei com meus alunos e aprendi muito. Somos, amigo e companheiro, também tijolo e argamassa do nosso edifício social. Meus parabéns e meu abraço. Taveira

Pedro Du Bois disse...

Caro Aquino, brilhante texto. Emotivo. Parabéns. Abraços, Pedro.

Sueli Soares, RJ disse...

Também agradeço a Deus, pela oportunidade de ter abraçado o professor/poeta/ jornalista. Que Ele o abençoe sempre!

Lauricéa Ramos disse...

Sabe meu primo POETA... que honra ler este texto e agradecer a Deus por ter como paixão esta profissão e ser reconhecida pelas lindas palavras poéticas de um grande artista como vc...Agradeço tbem em nome dos que não tiverem a oportunidade em ver esta MARAVILHA...

J. Martines Carrasco disse...

Li sua excelente crônica.
Amigo, creio que, dos nossos passados, temos algo em comum - alvos de inveja e implicância sem claras justificativas.
Suponho que meu caso foi bem mais drástico e complexo do que o seu. Que pares, ou alguns subordinados - os de índoles animalescas - sintam inveja e ímpetos de ataques sobre o invejado é até aceitável. Mas ser destruído por inveja e despeito de crápulas portadores de status bem mais elevado... isso já não é animalidade, ultrapassa as raias da monstruosidade. Entretanto, existem casos assim - e todo o estrago que causam às suas vítimas fica por isso mesmo, dado o corporativismo existente entre essas unidas bestas humanas, que infestam todos os ambientes e instituições de regimes tirânicos, de ontem, hoje e sempre.
Vejamos - atualmente, o conceito de q tudo vai maravilhosamente bem se resume nos índices de tributos arrecadados. Do caos na educação e da bestial criminalidade crescente nenhuma preocupação, lá por cima. Nada dizem.
O motivo é simples: essa situação não os afeta. Pelo contrário, o pavor do rebanho desarvorado, preocupado com a própria segurança física, facilita a descarada ação dos corruptos e seus chupa-meias, que manipulam os cofres públicos dos três níveis estatais, paralelamente aos achaques e chantagens que praticam.
Até!
J. Martines Carrasco