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sábado, agosto 16, 2008


Visita ao velho mestre

Era 1968, o célebre ano em que o comportamento jovem rebuliçava o mundo. Era a geração do após-guerra se tornando adulta e querendo mudar as práticas adultas, pois a infância e a adolescência já não eram as mesmas dos nossos pais. Muito se fala do agito de Paris, mas é preciso lembrar que o glamour da Cidade-Luz a punha em evidência: o mundo se agitava nas cidades dos Estados Unidos, do México, do Brasil, da Argentina... E em Londres e Praga, em Tóquio e Seul, etc. e tal.

Em Goiânia, os grêmios do Liceu, do Instituto de Educação e do Colégio Pedro Gomes vinham promovendo ações de contestação ao regime militar desde as primeiras informações de abusos, como a tortura instituída nos quartéis e nas delegacias policiais desde abril de 1964. Os centros e diretórios acadêmicos, também. No Rio, a morte do estudante Edson Luiz provocou ações em série por todo o país. Elegeu-se, por orientação da União Brasileira dos Estudantes, uma série de ações em todo o país e, aqui, paramos as aulas para lotar a Catedral Metropolitana numa missa pela alma do rapaz. A missa não terminou até hoje (afinal, era 1968; nem tudo, naquele ano, acabou ainda). Não terminou porque a Polícia Militar, com sua cavalaria e os gritos dos oficiais entrou na igreja, atirando. E alguns estudantes foram atingidos, sem riso de suas vidas (se eu fosse televisivo, talvez dissesse “risco de morte”; não o faço).

. Levávamos faixas, gritávamos frases de efeito e palavras de ordem, buscando despertar a população para o cerceamento das liberdades, todas elas. Não eram estudantes, apenas, os que passeatavam em reação à ditadura. Trabalhadores também o faziam, e era comum alinharem-se professores nas nossas fileiras

Poderia listar vários professores, mas vou sintetizar: J. G. de Araújo Jorge, o poeta, em 1961, no Rio de Janeiro, dizia-nos que, em qualquer momento político, era bastante ver “qual o lado dos estudantes? Esse é o lado certo”. Em 68, eles caminhavam conosco. Lembro-me de uma frase de Geraldo Alemão, que, na época, lecionava Cultura Religiosa: “Vamos de braços dados, formando uma corrente sólida; sentimo-nos mais fortes”. Apesar do título da disciplina, e numa universidade católica, a matéria não era doutrinária. Tinha, sim, o propósito de desenvolver o sendo crítico.

Recordo tudo isso enquanto vou ao encontro de Conceição Matos, professora de Português e Literatura e musicoterapeuta. Ela marcou uma visita nossa ao professor Geraldo. Em mim, a emoção diante da casa de pé-direito baixo, tal como são as construções pioneiras da Vila Nova. Menos de dois minutos de ansiedade, e lá vem o velho mestre.

Velho? Que nada! Nem mesmo as cãs lhe determinam a idade! A voz é a mesma; as idéias, tão novas quanto antes, quero dizer, sempre renovadas ante o mundo que não pára. E já se vão uns quarenta anos! Falamos pouco de passado, mas muito de Educação, Literatura, História, Comportamento, Índios, Quotas... Sociedade, enfim! Meu velho mestre não é apenas o lente de muitas luzes nas lides das letras, mas um Educador por excelência! Penso que posso cobrar-lhe os escritos, em montagem de livro, para orientar os mestres do futuro. Não exagero ao dizer que ele trás atrás dos olhos meio século de ensinamento. Um Professor com P maiúsculo, um homem digno do título, e não um mero ensinante repetidor de frases mornas (ou mortas), como a maioria.

E então, parafraseando Gonçalves Dias, posso dizer: “Meninos, eu vi!”, e vi o passado sem dor nostálgica, sem saudade triste. E é este o melhor modo de ver o passado: com a alegria de sentir que os grandes não envelhecem para adormecer, mas para lembrar que tudo se renova a cada dia.

Um beijo, mestre Geraldo! A única forma de lhe pagar esta dívida é oferecer aos pósteros os valores de vida que você ensinou.


5 comentários:

Mara Narciso disse...

Com as liberdades garimpadas por esses que hoje são velhos, nos dias que correm, é fácil falar o que der na telha. Naquele tempo as manifestações tinham gosto de coragem pela temida imprevisibilidade. Faz bem em voltar a casa do mestre, em ir com ele ao passado e mais ainda, em trazê-lo aos olhos das novas gerações para a justa homenagem.

Saramar disse...

Luiz, as almas humanistas, tal qual a do honrado Professor, nunca envelhecem. Acompanham o caminho os homens, ilumina-o com seu saber além das pedras.
Belíssima homenagem. E, mais que merecida, porque os bons mestres (tão raros neste mundo de ilusão em que vive a educação brasileira) são sim, a luz do mundo.

beijos, boa semana para você.

Anônimo disse...

O mais saudável nesta vida é reviver o passado sem nostalgia.Voce me emociona ao descrever este encontro. Mestre é sempre mestre.O que é ser velho?Há tantos velhos moços sem perspectiva, descrentes.
"Viver e não ter a vergonha de ser feliz..."

Madalena Barranco disse...

Que lindo, Luiz! Os mestres que dominam o que se vê e o que parece não existir são os verdadeiros guias da humanidade. Beijos par você e parabéns para seu mestre.

Ceiça Matos disse...

Gente, emoção maior foi testemunhar o encontro desses dois...