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quarta-feira, novembro 12, 2008




Hiroshima e as nossas favelas




“Hiroshima, 63 years later”... É, trata-se de uma seqüência de belíssimas fotos da cidade que os americanos detonaram em 6 de agosto de 1945. Bem, o que se detonou foi a bomba, mas os jovens me entendem, não é? Aquele bombardeiro, um avião cujo comandante mandou inscrever o nome “Enola Gay” (nome de sua mãe), lançou a bomba que fez todo aquele estrago, matou muitos milhares de pessoas, destruiu edifícios e equipamentos urbanos; e hoje, sessenta e três anos passados, a cidade é moderníssima, cheia de formas arrojadas e cores alegres.








Bem, a amiga que me enviou a mensagem apenas a repassou, e eu não passei adiante; se o fizesse, acrescentaria um comentário cáustico: a autora da frase após a última foto devia ir morar lá. Ela escreveu “No mesmo período o Rio de Janeiro construiu 400 favelas. Beijos Carinhosos,” e assinou com um apelido. É possível que se trata de alguma dondoca, ou de alguém muito mal informada. Devia, antes, saber como era o Brasil em 1945 e como é o Brasil de hoje. Temos, sim, problemas aos montes, mas o que a leva a crer que o Japão não os tenha? Ah, claro!, as fotos de Hiroshima atual.
Não gosto de gente assim. São pessoas que passaram pelas escolas, mas não sorverem bem o que as escolas poderiam lhes ensinar. São pessoas que vêm as favelas, mas nada fizeram no sentido de melhorar a vida dos outros. São pessoas que reclamam da segurança, apavoram-se diante da violência, das balas perdidas e das mortes nos tiroteios, mas continuam consumindo as drogas que sustentam o tráfico.






Maus cidadãos. Sem dúvida alguma, são maus cidadãos. Não direi que são maus brasileiros porque gente assim existe em qualquer lugar do mundo, até mesmo na Hiroshima que essa dondoca divulga como exemplo de quem “não faz favelas”. Essa mulher (a julgar pelo apelido, é uma mulher) deveria ser identificada e situada nos gráficos estatísticos; certamente, está no topo da pirâmide, participa da expressiva minoria que detém a maior parte do PIB nacional, deve colecionar grifes, desde os sapatos até as calcinhas, certamente não se constrange em sonegar impostos e adquirir produtos contrabandeados.






E aí, virão algumas leitoras puxar-me a fralda da camisa: “Você é venenoso. Você é cáustico. Você critica todo mundo”. Isso é muito interessante: elas me criticam como bem entendem, mas criticam-me por criticar. Eu sei, eu sei: o problema é que, ao traçar um perfil como o dessa mulher que adora as fotos de Hiroshima e admira a garra dos japoneses, fatalmente eu as qualifico. As que me criticam não gostam de se sentir retratadas e mesmo que seus nomes não apareçam nas minhas linhas escritas, elas vestem a carapuça.


O lado triste das favelas vai muito além do visual, minhas queridas. Aquele amontoado de pequenas habitações, aquele presépio sem santidade abriga sentimentos e talentos. As favelas não são apenas quartéis do tráfico; as favelas não são uma boca-de-fumo em cada barraco. As favelas são, muitas vezes, habitat da poesia, da música e da criação plástica que encanta o mundo. Melhor seria se o Brasil tivesse as benesses que se deram aos japoneses após aquela guerra de fogo e sangue, mas aquele foi o preço pago, antecipadamente, para que a dondoca pudesse, sessenta e três anos após, encantar-se ante as fotos e morder o próprio rabo, como serpente desavisada.



Nestes 63 anos, o Brasil interiorizou-se, cresceu social e economicamente, espargiu energia e luz por todo o seu território, criou veias de asfalto sobre o chão dos sertões. Leiam-se umas poucas páginas da nossa História para melhor se informar e não sair por aí, usando o que há de mais sofisticado em comunicação para falar besteira.
Há problemas, sim; e muitos! Mas há também uma gama enorme de bons brasileiros que, devagar e com tenacidade, com competência e fé, vêm corrigindo o rumo e retocando a paisagem dessa nossa História. Claro que essa senhora não se inclui; mas é possível que, surpreendentemente, de sua prole surjam seres capazes de aliar-se aos que bem trabalham, sem menosprezar o feito dos nossos.




Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

7 comentários:

Anônimo disse...

Luiz, meu querido amigo!
Vou engrossar a fileira dos que falam bem deste País! Tenho orgulho de ser brasileira! Sou uma brasileira vivendo com AIDS , como tantas mulheres - como eu - que vivem com AIDS neste mundão de Deus! Sou uma ativista e luto pela vida das pessoa como eu... E vi heroínas das favelas, salvando vidas, dividindo comida, socializando afeto. Mas, te disse que me orgulho do meu País? E sabes a origem deste orgulho?!O Brasil é o único País do mundo que dá medicamentos gratuitos para portadores de HIV, inclusive para estrangeiros que estejam ilegalmente no Brasil! Por que aqui, a VIDA é ainda mais valorizada do que o lucro. Aqui, o ser humano doente de AIDS recebe o seu tratamento, simplesmente por ser uma pessoa doente e, só depois, se-lhes cobra a cidadania e a legalidade de sua presença no Brasil! E te asseguro, amigo querido, ISTO SÓ OCORRE AQUI NO BRASIL! Em nenhuma outra parte deste mundo! Tenho mesmo de me sentir orgulhosa em dizer: SOU BRASILEIRA! Que prevaleça a vida...sempre! O resto a gente corre atrás...

Anônimo disse...

Luiz querido,

Foi uma porretada e tanto!!!!!!!!!!!!
A suposta pobre senhora (porque como você disse não há de ser uma senhora pobre) deve estar correndo até agora pelos campos gritando cainhaim, cainhaim, cainhaim!!!!!)
Mas acho que a porrada foi merecida.
bjs
Iraci

Saramar disse...

Sem dúvida, não há como comparar o Japão e o Brasil. O primeiro, por sua cultura anterior à nossa própria imaginação e o nosso, por sua diversidade cultural que, infelizmente, ainda não se mesclou em um povo brasileiro (basta ver as divisões tão em moda, que visam ao retorno à colônia, quando éramos três ou quatro povos distintos).
Creio também ser importante pensar na diferença essencial: o Japão viveu várias guerras e a mais terrível experiência que nenhum outro país sofreu, como você lembra neste artigo.
O Brasil, se vive em guerra, é pela incompetência ou pelo desinteresse de seus governantes no sentido de cumprir as obrigações para as quais foram eleitos.
Não entendo o que Hiroshima tem a ver com as favelas brasileiras, tendo em vista que são exemplos opostos, não da virtude dos seus cidadão (ou dos seus erros).
Para mim, Hiroshima e as favelas brasileiras têm em comum justamente uma diferença, se se pode falar em diferenças comuns: a ação ou a omissão de seus dirigentes; a diferença essencial entre aqueles que respeitam seus cidadãos e estes que usam os cidadãos como escravos.
Os brasileiros e o Brasil são admiráveis justamente por conseguirem erguer um país tão maravilhoso a despeito de quem nos governa (?).

beijos

Anônimo disse...

Parabéns, brasileiro, poeta, cidadão!

Comungo de sua opinião, pois para mim, o Brasil é o melhor país do mundo e caso não o seja, cabe a cada brasileiro fazer com que seja. De críticas e idéias pessimistas estamos até o pescoço porque há muitos brasileiros de meia-pataca que jamais ouviram falar em patriotismo, civismo e por isso desconhecem o peso e a importância do adjetivo BRASILEIRO!

Anônimo disse...

Muito, muito bom! Pau nessa gentinha que ainda não entendeu que da sua classe consumidora da cara cocaína é que saem coisas como as favelas!
Urda.

Madalena Barranco disse...

Olá querido Luiz,

E eu entendo com perfeição o que diz! Minha família de imigrantes espanhóis estanharam a nossa terrinha e alguns até resmungavam... Mas agora, não há quem os tire daqui. E ir para a Espanha? Apenas para visitas e passeios, porque logo voltam para cá com saudade dessa terra linda e povo maravilhoso. Meu Brasil é cativante e possui um sorriso inigualável em seu coração gravado no sul do mundo.

Quem fala mal da casa que os acolhe ainda não percebeu a grandeza do Cruzeiro do Sul.

Beijos.

Mara Narciso disse...

Tema espinhoso e uma maneira nada simpática de abordá-lo. Gera desagrado de ambos os lados defender uma nação e um povo em detrimento de outro. Há motivos e motivos para gerar cidades avançadas e favelas. É tema por demais complexo, e é de bom tom, evitarmos jogar bombas e confetes desavisadamente.

Falar do torrão natal, especialmente sem conhecimento de causa é muito feio, além de anti-ético. Nosso país tem muitas coisas boas, que aconteceram nesses 63 anos. Vamos alardear também os nossos feitos. Merecemos!