Lembrar de quem fomos para
ter certeza de quem somos
ter certeza de quem somos
Mara Narciso (*)
Os laços dados na infância e na juventude são os mais apertados. Os fatos são marcados a ferro, e tornam-se inesquecíveis. Os passos escolares iniciais e com quais meninas convivemos nos primeiros anos de vida determinam boa parte do que seremos. Pessoas queridas, com as quais tivemos pouco ou nenhum contato durante as últimas décadas podem ou não nos acrescentar alguma coisa agora? Personalizando: para que eu vou nessa reunião com ex-colegas do Colégio Imaculada Conceição, que não vejo há 45 anos (ou mais)? Eu vou gostar de estar com essas pessoas? Em quem elas se tornaram? O que vou achar delas? O que elas vão achar de mim?
A internet proporcionou muitos retornos e encontros com o passado, e resgatar tem sido a palavra de ordem. Num primeiro contato virtual no grupo do WhatsApp poderá acontecer uma ebulição meio despudorada para se mostrar o que de mais importante aconteceu. As pessoas de maior brilho tomam conta da conversa, dominam a cena, falam mais, sentem que têm mais coisas a dizer, e dizem. Há quase uma obrigação de explicar que a vida teve um grande sentido, que foram construídos bons afetos e boas coisas, que se foi feliz. Ou quase. Outras não, mas muitas querem mostrar a imagem que têm agora, com cuidado na escolha das fotos, expondo lugares, maridos, amores, filhos e netos. Não há propriamente uma disputa, mas as posições logo se definem.
Na quase demarcação de território, pode acontecer uma leve tensão inicial, pois as letrinhas não têm entonação. Cada uma demonstra, ao escrever, a sua característica mais marcante, seja ela para a linha religiosa, o espírito solidário, a propensão a coordenar ou a capacidade de agregação. Procura-se mostrar o melhor lado, mesmo nas discordâncias, pois afinal, não se chegou até aqui em vão. A experiência de vida trouxe traços de sabedoria e equilíbrio, assim a calmaria chega em forma de brincadeiras e risos. Todo mundo quer ver todo mundo. A agitação física e psicológica se faz notar. Poucas ex-colegas não querem participar, e, adicionadas, saem do grupo. As que estão excitadas com as loucas possibilidades que se avizinham ficam perplexas. Mas por quê?
As colegas mais afins já estão à vontade. Algumas já se encontram esporadicamente, outras moram fora há vários anos. Umas poucas estão no exterior. Os principais dados sociais foram informados, tais como, profissão, estado civil e prole, sendo, pois desnecessários pessoalmente. Fala-se dos pais, dos professores, das lembranças estudantis marcantes.
A boa expectativa quanto ao primeiro encontro manifesta-se nos preparativos, e na ansiedade juvenil vem a pergunta: com que roupa eu vou? No primeiro momento do reencontro, depois de tanto tempo, há susto, um pouco de medo, seguidos de alegria e dúvidas: fui lembrada, lembrei? A visão de fotos antigas postadas fez seu papel de ligar passado e presente. Assim, olhando o rosto da mulher madura se busca a menina de outrora, logo resgatada. Então, vem a fase da descontração, ainda que algumas se sintam falando sozinhas, ou isoladas, enquanto outras se mostram as rainhas da festa, coisa previsível, até devido às características psicológicas.
Depois, vem o segundo grande encontro. É a confraternização de fim de ano. Há pouca ansiedade e agitação, mas muita alegria e felicidade. Quase todo mundo está à vontade, e tudo parece normal. Não se sente à cabeça girando como se estivesse num túnel do tempo, o que foi relatado na primeira vez. Também não há julgamentos ou críticas, apenas a sensação de se estar num porto seguro, um lugar que parece ter sido sempre nosso. As lembranças são leves. Fixamos no que foi bom e engraçado. Não é preciso ficar ligadas no lado pesado da vida. Estamos aqui, vivemos, lutamos, vencemos cada uma ao seu modo, a maioria na ativa e umas poucas aposentadas.
Depois do jantar, dizemos que o encontro foi perfeito. Os fortes sentimentos despertados na juventude persistem. O convívio com pessoas educadas e de bons princípios nos fizeram ser quem somos. Sabemos ter sido um privilégio essa convivência que gerou amizades feitas para durar, e, não importa que as contingências da vida tenham nos separado. Temos diante de nós, muitas histórias de vida para conhecer. A fervura continua, queremos descortinar cada filme, ler cada romance, programar novas aventuras.
Apenas por que é bom!
Mara Narciso: médica, jornalista e escritora (Montes Claros-MG). |
19 de dezembro de 2015
Um comentário:
Sou-lhe grata pela divulgação dos meus pensamentos, emoções e sentimentos, Luiz. Muito obrigada!
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