Tanto
tempo... Para quê?
Visito-me no
tempo, aquele remoto, quando o mundo era pequeno e não me parecia esférico como
Dona Vanda ensinava. Parece que acabava no céu, ao alto, e era azul ou de
nuvens durante o dia e estrelado à noite – às vezes, de luar que convidava à
serenata.
A serenata era
um recreio às horas tantas... Geralmente, acontecia depois da tocata, e esta
era provada pela visita de algum boêmio cantor ou tocador de instrumento, em
parceria com meu pai.
Caldas Novas era
melhor, naquele tempo. Muito melhor!...
Havia as aulas
de Dona Vanda, pela manhã. As tardes, após fazer os deveres de casa, podia
brincar nos quintais – o nosso ou os dos meninos amigos. Ou nas ruas, que era
onde jogávamos bola, corríamos nas brincadeiras de pique, jogávamos gude ou
finca. E brigávamos também, porque as opiniões sempre encontravam ideias contrárias.
Um dia, houve um
fato triste. Alguns meninos jogavam na rua, perto da farmácia do Aparício e da
casa do Célio Sucuri. A bola era de meia e o caminhão da prefeitura passou
devagar. Tão devagar que aquele menino (como se chamava? Eurípedes, eu acho)
acreditou que a pegaria antes que as rodas traseiras o alcançasse.
Não deu. Aquela
roda dupla esmagou-lhe o crânio, pedaços do miolo escaparam-lhe pelos ouvidos.
Deve ter sido a
primeira dor da morte, para mim, chegada assim de surpresa e terrível, doendo
feito surra de pai, de correão nas pernas sensíveis. Mas doeu no peito, doeu a
cabeça só de pensar no que teria doído a cabeça espremida entre o chão e os
pneus.
Doeu atrás dos
olhos.
Tem sido assim a
vida inteira: as serenatas felizes, em Caldas Novas e em Pirenópolis. Algumas
em Goiânia – sem-graça, faltava sempre o encanto do silêncio caldas-novense ou
das ruas tortas meia-pontenses. Ruas tortas de Cassiano Ricardo, bem como a Lua
morta, a janela adormecida atrás da qual acende-se uma luz. E as folhas de
tábua se abrindo, a silhueta coberta de penhoar, cabelos soltos, sorriso feliz
e olhar de amor agradecido – ah, que feliz era eu também!
Vez em quando
alguma dor, feito aquela de longe, da infância em primeira década, a angústia
de não-mais ver, não-mais ter, não-mais sorrir juntos. “É vida que segue”, diz
o apresentador do telejornal matinal.
A vida segue
cruel. A gente paga muitas dores por poucas alegrias, sei lá! Apego-me a frases
muitas, conceitos vários, ditos sintéticos. “A felicidade é o caminho, não o
destino”. Pausa. Penso. É... deve ser!
Este ano 2015,
bem, ainda não acabou, mas bem podia acabar-se em paz natalina, na esperança
eterna de que tudo vai melhorar no ano-que-vem. Chega de mortes, hem? Chorei
Inazinha, Guilherme, Luiz Antônio... Esta semana, o poeta Ubirajara Galli
proferiu brilhante panegírico ao amigo César Baiocchi, que se foi há um mês e
entristece-nos ante a fala da presidente Leda Selma, na Academia Goiana de
Letras: “É com tristeza que declaro vaga a Cadeira número 30”.
E amanhece este
sábado, 5 de dezembro, com a despedida de Marília Pera, atriz completa que
também canta e dança. E Marília viajou na esteira a noite, não quis dar bom-dia
ao sol, desfez-se da vida aos raios da alvorada.
Entre essas
lembranças, de quando o céu a limitar meu mundo caldas-novense e o desfecho da
vida para pessoas queridas ou admiradas, sejam as do meu mundo ou as de
todo-mundo, como os artistas, fica essa dor atrás dos olhos, essa que abre o
registro das lágrimas e entristece-me não encontrar esperanças. As coisas de
todos nós, essas coisas de política e economia, de desemprego e descrença
embaçam-nos o Natal e cobre de névoa densa o Ano-Novo.
Onde está a
esperança, hem?
***
Luiz de
Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.
7 comentários:
Ah, a esperança!
Quem não a deixou suicidar-se - adoro verbos reflexivos - tratou de escondê-la num cantinho secreto, para que malfeitores não mais a alcancem, alimentando-a de raras e pequenas alegrias. Pra mim é questão de sobrevivência!
Olá, estava lendo a sua crônica "Tanto tempo... Para quê?", e me deparei com uma coincidência, de um falto que marcou a minha vida e de minha família. É que a um tempo atrás uma vizinha nos procurou para cuidar de seu filho, de um ano de idade, para que ela pudesse trabalhar. Ele ficava conosco até que a mãe chegasse. Isso, durante uns 4 anos. Então chegou a hora de ele estudar, e a mãe já não precisou que olhássemos mais o Davi. No mesmo ano fui trabalhar na escola onde ele estudava. Não podia ter sido uma coincidência melhor. Que menino lindo! Eu era tia, meu pai, Vovô João, minha mãe, Vovó Divina. Meu pai é funcionário da prefeitura, motorista de caminhão. Um dia ele ia voltando ao trabalho do intervalo do almoço, saiu como o caminhão e o Davi quis acompanhá-lo de bicicleta . Tem um descida forte na rua de casa, na esquina. Quando meu pai virou o caminhão o garotinho não conseguiu frear a bicicleta, e bateu no pneu traseiro que o jogou no chão. Ele morreu imediatamente. Não teve esmagamento, morreu devido à pancada. Ontem completaram 2 anos desse acidente. Um horror! A família dele foi que ajudou meu pai a melhorar de uma depressão. Hoje restou muita saudade do Davi, que amávamos tanto. Como a vida nos surpreende, não é. Ainda bem que temos a Literatura... E que crônica maravilhosa a sua. Sempre leio seus textos. Obrigada por postá-los!
PRIMAVERA MINHA, (Luiz De Aquino Alves Neto) hoje quando te confessei que estava fugindo, foi uma retirada necessária, precisava de boas lembranças... Lembra quando José Mendonça Teles escreveu em um conto, no qual questionei sobre a dor despedida, onde ele dizia que a cada adeus se curvava, e andava já olhando para o chão?... Ele estava certo! Hoje precisei pisar nas pedras da saudade, sentir o frio e o calor das lembranças pra poder seguir em frente, como diz o apresentador: Vida que segue! Segue com as dores das despedidas...
Ouso responder a pergunta que finaliza o texto. Se não a encontramos em outro lugar, ainda dá esperança ver a bela poesia que vem de um texto ainda que tão triste. São estas pequenas pérolas, de sabedoria, de arte, de emoção, que fazem com que ainda tenhamos força para seguir em frente, sabendo que há algo de muito bom pelo que viver, mesmo que seja a vida tão curta. Belíssimo, meu pai! Aqui também doeu atrás dos olhos.
Obrigado, meu filho!
Uma beleza de saudade fechando na dura atualidade das inúmeras crises e trapalhadas, ameaças próximas e mais distantes, coisas de água, política, economia, terrorismo, lama, dengue hemorrágica, Zika Vírus. 2015 vai célere em direção ao desastre total.
Pensamos que muito mais nós perdemos do que ganhamos.
É que o fardo da perda pesa mais, coberto pelo manto da dor que arrasta a tristeza.
"Tanto tempo...Para quê?"
Para dar tempo de conquistar, de amar e compartilhar.
Tempo para o perdão e o arrependimento.
Para temer a perda e valorizar.
Tanto tempo...Pouco tempo...
É preciso tempo.
Tempo para reflexão: não permitir que o vazio da saudade deixe vacilar a fé.
A falta da fé desespera o coração.
Tempo para perceber que o clarão no horizonte dissipa a névoa cinzenta, trazendo outros clarões.
Tempo para salpicar de esperança os caminhos, em todos os tons de verdes.
Por isso, tanto tempo!
- Italo Campos Campos
Postar um comentário