Carta ao tempo
Luiz de Aquino
Leitores amigos, já notaram como as pessoas se dividem pelo modo como olham as coisas e a vida? Sim, há os que vêem passado em tudo, enquanto outros enxergam o futuro até mesmo nos desenhos rupestres. Alguém, mais bem dotado que os comuns, disse que o fundamental é vivermos o presente, mas quase todos agem apenas em função do passado e (ou) do futuro; assim, deixam de se ocupar do presente, de viver o momento.
Conhecemos, ainda, muitas senhoras que, enviuvadas ainda nos verdes anos, enclausuraram-se em vestes escuras e sóbrias e escolheram envelhecer antes que lhe chegasse sequer a idade adulta em sua plenitude. Vejam aí, entre as amigas e parentes de suas mães e avós, e verão que não exagero. E mesmo entre os moços e adolescentes ainda vemos os que cobram de pais e mães viúvos uma castidade desumana.
Convenhamos: viver o presente nos dá mais chances de felicidade, e esta não é um ponto de chegada, mas uma viagem (mais coisas ditas por algum outro pensador, talvez anônimo; mas conheço bem uns dois ou três escribas famosos que não têm escrúpulos em se apoderar das falas alheias). Sofremos muito pelas dores do passado ou pela ansiedade ante o futuro. Enquanto isso, a vida passa, a fila anda e o dia amanhece outra vez, e outra, e outra...
Ao contrário dos que se vem nos jovens, olho-os e enxergo o futuro. Não quereria, para mim, a viagem de volta, pois sei que cometeria os mesmos erros, sofreria as mesmas dores e as angústias se repetiriam. O mesmo se dá em
mim quando perambulo nas ruas de ontem, como as do centro de Goiânia, que aos poucos vai se tornando História. Aquelas ruas de comércio pouco e variado e moradias várias tornaram-se um bazar oriental, com as calçadas entupidas de produtos e transeuntes anônimos.
O centro, hoje, é ponto essencial de passeio para os que já atingiram os cinqüent’anos. Nada de criticar a mudança dos hábitos, mas de curtir saudade com a convicção de que, para os moços, as lembranças se formam agora. Na Rua 4, a poucos passos da Avenida Goiás, encontrei Martônio, velho amigo dos nossos tempos moços nas Ruas 96 e 97, quando até o quintal do Palácio das Esmeraldas parecia-nos vulnerável, especialmente em tempo de jabuticaba. Vinha de par com o pai, Antônio Pereira, a quem fiz uma cobrança sincera: “Siô Antônio, que desaforo! O senhor não vai envelhecer?”. Não, não vai... Ele prefere transformar as lembranças em escritos que, brevemente, vai virar livro.
Cinco minutos de prosa boa, saudade e esperanças renovadas. Dá-me vontade de falar ao tempo, escrevo, então, esta carta ao tempo... Ou melhor, um poema à mulher de amanhã, escrito num tempo que também já vai longe. Só que, de novo, faço o passado viajar ao futuro, num jogo de ir-e-vir como passos de dança. Algo assim:
Se eu voltar a viver nos teus sonhos
Se eu voltar a viver nos teus sonhos,
é certo que chegarei sem pedir licença.
Será um chegar na noite,
sem silêncio e sem luar
porque nada mais senão nós dois
deve existir.
Será um sonho em que a dor
há de valer
na suprema intensidade
do calor que brotar dos corações.
E será um sonho
que nos fará acordar suarentos,
porque estaremos juntos
antes que o galo anuncie a madrugada.
Se eu voltar a viver nos teus sonhos
vou sentir a mudança no cheiro das manhãs,
lembrando o tempo das flores
nas mãos que me afagavam.
Será o tempo de rever noites
tão nossas
e recordar teu cheiro em mim —
o cheiro único
da única mulher em minha cama.
(A mulher na minha cama,
de cheiro exclusivo
e carinhos só dela,
não trazia o feitio
das noites vazias: era a essência
da minha carência
e promete outra vez
renascer
quando eu voltar a viver nos teus sonhos).
Meus amigos, pai e filho, se vão, mas não nos despedimos. A tarde, sim, despediu-se no tempo, porque ela, a tarde, é única. A cada fagulha do sol ou cintilar de estrelas infinitas renovamos nossos passos, nossos olhares... Sinto que tudo virá outra vez, mas da mesma maneira como Heráclito definiu o rio e o homem.
Tudo se faz novo.
Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. Blog: http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com.
12 comentários:
Luiz, no capricho mesmo: imagens doces, sutis, tocantes; lembranças ziguevagueando ora atônitas, ora serenas, por clarões e sombras (hum... pode ser o verso de um poema, não?!), enfim, belos jogos de palavras. ADOREI!!! Só agora, quase uma da madrugada, abri minha caixa e valeu só por sua crônica. Beijão. Lêda
Ontem foi dia da saudade (estava escrito aqui na minha folhinha). Até parece que precisa de dia marcado para comemorá-la. Comemorar? Não combina.
Nela você passeou, deliciosamente, no tempo, sem tempo e espaço “...num jogo de ir-e-vir como passos de dança.”
E no ciclo da vida, que tem o seu próprio tempo, tudo está sempre se renovando, assim como as leituras que aqui encontro.
Adoro te ler. Deixo aqui meu carinho.
Poeta
Mais uam vez, maravilhoso e rendo-me beleza e pureza das suas palavras .....
Luiz de Aquino, que poema bonito e que texto saudoso.
O tempo esquisito tá te deixando triste?
Abraço, Heloisa.
Amigo, coloquei este poema na cabeceira da cama do João (UTI do H.S.Salvador).
Placidina
(Esclarecendo: João, marido da poetisa e minha querida amiga Placidina, encontra-se sob cuidados, como se depreende. O fato de ela associar meu poema com seu momento de tensão e angústia mostra-nos que uma vida só se constrói mesmo com amor. L.deA.(
Belíssimo!!Amo este jeito doce com as palavras, que só você tem!
Parabéns poeta!
Boa tarde Poeta!...Lindas, doces e carinhosas palavras!...Um 'deleite'ler tudo que vç escreve.Ireci Maria.
Poeta!...Seu blog está cada dia mais lindo!... Adorei tudo que li. Essa é nova ou de algum de seus livros que ainda não li? ( Se eu voltar a viver nos teus sonhos.)
Parabéns!, meu poeta preferido.
Ireci Maria.
Poeta
Geralmente é mesmo assim
Brota dentro da gente esse calor
que nos faz diferente
sendo os mesmos.
Comigo e minha única
é assim.
Um dia, eu sei
Seremos eu e ela, únicos.
Seu Poema
“Se eu voltar a viver nos teus sonhos”
revelou em mim a poesia que eu sinto.
Parabéns
Sou seu fã.
Homem de Deus, perdi o sono. Não faz muito tempo eu perdia o sono quando a filha adoecia - teve até grave enfermidade e graças a Deus tratada e recuperada no Hospital de Clínicas de São Paulo no inicio dos anos 90 - e agora perco quando ela sai para o que chamam agora de "balada". Eu quero mesmo é que ela viva a plenitude da juventude como você bem advoga, com maestria peculiar, diga-se de passagem, enquanto eu consigo ouvir os sons da natureza biológica que cercam a minha morada. E é nesta madrugada onde me vejo preocupado com a chegada da filha, que me encontro - e encanto - com palavras que não somente me servem de alento mas de fraternal felicidade ao tomar conhecimento que as mesmas servem até de oração à poeta Placidina, sua amiga à quem também uno-me em oração.
Abraços
Luiz Delfino
Meus colegas psicólogos(as),precisam ler mais poesia).Assim, com certeza poderam ajudar seus pacientes a viveciarem melhor o momento presente. Farei a minha parte.Abraços
Lindo poema!!! Plantão com Luiz de Aquino é o máximo! ;))
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