Páginas

terça-feira, janeiro 06, 2009

Às favas com a reforma

Às favas com a reforma

Luiz de Aquino

 

Toda mudança implica resistência. Isso é uma máxima a que se apegam os técnicos de administração ávidos por transformar o que funciona em algo experimental. Claro, há administradores que administram e buscam adequar a realidade aos objetivos, de modo a se conseguir procedimentos e fluxos que facilitem o alcance dos ditos objetivos. Mas há os que, à falta de condições para se tornarem evidente, propõem mudanças. Mudanças só para mudar algo.

Isso acontece em vários setores das atividades humanas. Gestores públicos adoram fazer mudanças. Não raro, são eles lembrados como heróis cujas mudanças foram acertadas, e raramente são citados como os que fizeram “aquela cagada”. Mas os políticos de todos poderes deveriam bolar leis que responsabilizassem os autores das más mudanças, fazendo-os patrocinadores finais de tais coisas, de modo tal que o erário possa, em caso de fracasso, cobrar do inventor. Mas...

Claro, sabem os leitores que estou disposto a falar outra vez na reforma da ortografia. Vi na tevê o quanto esperneiam os portugueses. Mais do que nós, e parece-me que os contestadores lusos são, também, em maior percentagem do que os insatisfeitos daqui, das terras a que os de Camões chamavam de ultramarinas. Gostei de saber que Saramago foi taxativo, dizendo que continuaria a escrever como sempre o fez e que deixaria aos editores o problema da adaptação às novas regras.

Fabricantes e comerciantes de livros que os têm em estoque, de cá e dos demais países lusófonos, esperneiam ante a perspectiva do prejuízo iminente. E a mídia brasileira enfatiza a reforma como algo irreversível, taxativo, chegou para ficar. É mesmo?

Hora de questionar. Se o Código de Trânsito Brasileiro, instituído há mais de dez anos, ainda não fui cumprido em sua íntegra sequer pelos poderes públicos, a escrita vai funcionar como querem os governos? Aqui em Goiás, há cerca de quarenta anos, a Assembléia Legislativa aprovou, e o governador da época sancionou, uma lei que obrigava o estudo de literatura  goiana nas escolas do Estado. Ninguém a cumpriu. Ainda no capítulo da leis da Educação, a reforma do ensino de 1971 foi dada como uma panacéia para a cura de todos os males do setor, mas tão-logo foi publicada no Diário Oficial da União vislumbrou-se o seu fracasso.

Uma reforma drástica é sempre rejeitada naturalmente. Ainda existem milhões de analfabetos em todo o mundo, e uma parcela muito maior dos que, sabendo ler e escrever, ignoram as ortografias de suas línguas escritas, as regências e concordâncias (políticos, artistas, jornalistas... enfim, todos os que têm realce nas mídias, em todos os recantos do mundo, são provas inequívocas disso).

Se o propósito era a unificação da Língua Portuguesa escrita, deviam, em lugar de forçar todos os povos lusófonos a engolirem tais mudanças, ter instituído as diferenças. Ou seja, em qualquer país da Língua, tanto faz que se escreva “afeto” ou “afecto”, tal como se faz, no Brasil, com “quotidiano e “cotidiano”. Como escrevi antes, ninguém vai nos enfiar uma “linguissa” goela abaixo.

Com a eliminação dos assuntos diferenciais em 1971, os cariocas passaram a pronunciar “pôça” em lugar de “póça”, e os paulistanos falam “avêssas” em vez de “avéssas”. Por uma razão que não entendo, paulistanos dizem “éstra” em lugar de “êxtra” (e nós, goianienses, que somos gente advinda de todos os rincões do país, estamos começando a falar errado o nome do hipermercado). Ora, a gente sabe que paulistanos tendem a fechar o som das vogais. Com o fim do assento em algumas palavras, em breve ouviremos jornalistas, atores, cantores e políticos da metrópole paulista a dizer “jibôia, paranôico e idêia”.

De minha parte, solicito ao Fleurymar e à Sabrina, editores de opinião do DM, que publiquem esta crônica revoltada na linguagem escrita que me foi ensinada nos anos de 1950 e 60, reformada em 1971. É que escolhi cometer desobediência civil diante da reforma, pois seus autores não ouviram os intelectuais dos países atingidos.

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

8 comentários:

Rogério Lucas disse...

Bravo, Aquino!
Mas não era "ultramarinhas"?
Rogério Lucas

Mara Narciso disse...

Na minha família tenho a fama de "rebelde que obedece todas as regras". Estava certa de obedecer a mais esta: a do acordo ortográfico. E como disse também, não sem antes protestar. A unificação pode valorizar a língua, mas o trabalho que dará valerá a pena pelos ganhos que teremos? E será que teremos? Permaneço com a ideia, sem acento,veja só, de que o sacrifício é muito maior do que os prazeres. E pelo que leio, quem teimar será considerado fora de moda, ultrapassado, como em relação a todos os modismos que já vivi. Mas será que não é até chique ser demodé?

Anônimo disse...

É preciso mais homens como você nesta luta com as letras, intelectuais de boa vontade e senso crítico aguçado. Você deveria conhecer melhor o Cézar Gomes; tenho certeza que será uma amizade harmoniosa.



Sua amiga

Placidina

Anônimo disse...

Dom Luiz, parabéns pela crônica. Acredito que todos devemos resistir a esta reforma ortolunática. Abraços, José Fernandes

Anônimo disse...

Li sua cronica e achei muito legal. Como professora te garanto que vai ser um problema... rsrsrs
Bjs

Anônimo disse...

Pois é... a resistência é uma boa idéia!
Urda

Flávia disse...

Imagine os vestibulandos? E as crianças que acabaram de serem alfabetizadas?
Realmente será um grande transtorno!

Anônimo disse...

Sua opinião, para mim, sempre vale ouro; verbalizada com carinho ela consolida a sua própria vontade, principalmente a de viver fazendo o bem, mesmo velhinho que ainda não chegou aos "tenta"...
Eu, particularmente, jamais me esquecerei de seu apoio a meu favor. Exemplo? o texto sobre minha irmã Zefa, presença nos lançamentos de meus livros, e sua expressão "devida reverência" em vez de "puxasaquismo". Como se não bastasse a constante luta pela saúde "sociopoliticofinanceirapedagógica"; seu asco, declarado com todas as letras, por tudo que é anti-higiênico, isto é, começando (claro) pela higiene espiritual.
Luiz de Aquino, até logo.