Páginas

quarta-feira, dezembro 09, 2020

O Sol e eu e o sentido

O Sol e eu e o sentido

 

O Sol nasceu antes de mim,
mas era esperado. Eu também
era esperado
mas contava para muito pouca gente:
mãe, pai, vô, vó... Nem irmão esperava
por mim
porque era eu o primeiro.

 

O Sol nasceu mais cedo que eu
mas morreu noutras horas poucas
e prometeu nascer outra vez
dia seguinte e morrer também
dia seguinte
porque é do ofício do sol
fazer o dia
e sair para deixar chegar a noite
e voltar correndo depois
e renovar os dias
e permitir as noites.

 

Eu, não: tive de nascer e demorar
para crescer
e ver a noite sem direito de morrer
e acordar com o Sol renascente
e crescer depressa porque tinha de ser
assim
e assim por diante.

 

É que, dizem, eu cresci, eu mudei
e não morri todos os dias
porque não sou sol e o Sol
não cresce, não muda a fala,
não lhe crescem a barba e outros pelos 
incômodos.

 

Um dia, e este está mais perto
a cada dia
eu vou morrer de verdade.
Cresça ou não, vou morrer.


E o Sol vai nascer e morrer todos os dias
muitos anos além de mim e de minha morte
porque o Sol não precisa crescer:
basta-lhe existir.


Fotos: arquivo pessoal de L.deA.


&*&


Poeta Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras.


12 comentários:

Zanilda Freitas disse...

Eu não conhecia esse seu poema. Encantei-me com a beleza dessa analogia, você e o Sol, a eternidade e o efêmero humano. Amei!

edluiz disse...

Maravilha! Bela reflexão poética.

Andréa Fonseca disse...

Fiquei um pouco mexida com o seu poema, que nos faz pensar sobre a vida, mas também sobre a morte.
Poeta,Parabéns!

Carmem Gomes disse...

Não somos sol mas também "morremos" algumas vezes.Quem nāo sabe quantas vezes morreu,nāo sabe também o quanto viveu.

Rosamábile Marques de Jesus disse...

Uf! Luis,que lindo! Nem tenho palavras, tamanha sabedoria! Que percepção profunda... Lindo, lindo esse poema!

Zanilda de Freitas disse...

Poeta, nesse poema você foi muito além do que sempre espero da sua verve mesmo sabendo da sua infinitude. Belíssimo!

Itaney Campos disse...

Lembrou a poesia de Fernando Pessoa, o que não é pouco, vc há de convir, né, poeta?

Denise Godoy disse...

Esse é dos mais bonitos.
Adorei!

Alcione Guimarães disse...

Que beleza de poema!!! Adorei.

Sinvaline Pinheiro disse...

Querido amigo, amei!

Rosilda Nunes disse...

Interessante essa analogia, esse paralelo, sol x vida humana. Mesmo sendo na primeira pessoa, mostra-se, muito aplicável a vida de todos. A comparação nascer e morrer, " crescer" , mostra a diferença . É a construção única e maravilhosa sua. Deixa cair um elemento, quase intencionalmente e nasce a beleza do poema.
Amei.

Profa. Mara Rúbia disse...

O sol nasceu antes de Luiz e morreu antes de Aquino.
Porém, no meio da existência do SOL nasceu LUIZ DE AQUINO para rebrilhar as palavras nos sentidos...